sexta-feira, 29 de março de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – mais sobre a fuga do Ingratidão; Sem Medo e as primeiras providências como responsável provisório por Dolisie; murmúrios tribalistas; deixando claro o rigor disciplinar

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-trama-contra-andre.html antes de ler esta postagem:

Na manhã seguinte, foi confirmado que Sem Medo ficaria provisoriamente responsável por Dolisie. Ele acompanhou o dirigente e o comboio que conduzia André para Brazzaville. Na estação ficaram sabendo da fuga do Ingratidão do Tuga. E como se tratava de um guerrilheiro que atuara na Base, o dirigente deixou claro que esperava que o comandante resolvesse o quanto antes a situação. Outra orientação deixada por ele era sobre a Ondina, que deveria se transferir para o escritório político enquanto não se chegasse a uma decisão sobre o caso.
(...)
O Comissário Político tratou de ajudar Ondina a transferir suas coisas para o bureau...
Após despedir-se do dirigente, Sem Medo assumiu o jipe. Ao seu lado sentou-se Hungo, que era um quadro atuante em Dolisie. Sua vontade era a de ir para o bar tomar uma cerveja, mas tomou a direção da cadeia... Perguntou ao camarada como é que o Ingratidão havia escapado.
Hungo não tinha ideia... Disse que quando o foram ver pela manhã, já não estava em sua cela. O tipo também não sabia informar a respeito de quem fazia a guarda. Com certa dificuldade, Sem Medo acendeu um cigarro e pensou em passar pela escola para trocar umas ideias com o Comissário. Este sem dúvida seria um excelente conselheiro, mas estava claro que sua ocupação no momento era outra, e bem pessoal.
(...)
Ao chegar à cadeia, o comandante foi logo mostrando a credencial que fazia dele o responsável pelo posto que era ocupado pelo André.
A cadeia era basicamente um depósito. O chefe local quis saber em que poderia ajuda-lo e Sem Medo foi direto ao ponto... Quis saber quem era que fazia a guarda no momento em que o Ingratidão fugiu. O chefe respondeu que durante a noite dois guerrilheiros serviram no local, um deles era o Mata-Tudo e o outro era o Katanga. Já o portão havia ficado sob a responsabilidade de Tranquilo e de Ângelo, um tipo que havia desertado das tropas tugas há pouco tempo.
Sem Medo não deixou de observar a imprudência ao confiarem em alguém que acabara de passar para o lado do movimento... O caso bem podia ser de uma sabotagem. O chefe do depósito concordou, mas acrescentou que a falta de pessoal os levava às medidas temerárias como aquela. Sem Medo pensou sem se manifestar que, à exceção do desertor, todos os citados era kimbundos. Mandou chamar os guardas.
Interrogou os homens e as respostas foram as mesmas... Disseram que não ouviram nada de anormal, que não adormeceram e nem perceberam nenhuma movimentação diferente. Para Sem Medo, um dos dois estava implicado, pois o Ingratidão não teria como escapar se não lhe abrissem a porta. Já os que cuidaram do portão podiam não ter nada a ver com a fuga porque o prisioneiro poderia ter fugido pelo mato junto ao depósito.
O comandante Sem Medo entendeu que talvez os dois guardas nem tivessem agido juntos, todavia ordenou que se apresentassem alinhados e sentenciou que o Mata-Tudo e o Katanga iriam para a cela imediatamente. Deixou claro que pelo menos um dos dois havia ajudado na fuga do Ingratidão e que cumpririam a pena dele enquanto os fatos não fossem esclarecidos.
Na sequência ordenou que o chefe escolhesse outros dois guerrilheiros para conduzir os prisioneiros. Deixou claro que se nova fuga ocorresse a punição recairia sobre o próprio chefe do depósito.
Houve murmúrio e os dois escolhidos cumpriram a ordem de má vontade. No mesmo instante, Sem Medo advertiu a todos que o caso seria solucionado de uma forma ou de outra. Ele mesmo estava ali provisoriamente e quando o responsável enviado por Brazzaville chegasse tudo se resolveria a partir de suas ordens. Deixou claro ainda que tinha de proceder daquela maneira porque pelo menos um dos dois se comprometera com o Ingratidão do Tuga.
Ainda mais murmúrios foram ouvidos, e Sem Medo disse que esperava por isso. Disse que imaginava que atribuíssem ao André mais essa confusão. Mas fez questão de concluir dizendo que todos sabiam que o antigo responsável não tinha nada a ver com a fuga e a indisciplina dos guardas. A questão era que o prisioneiro era um kimbundo como a maioria dos que ali estavam. Alguém aproveitou a ocorrência do André para facilitar a fuga do prisioneiro. Talvez pensassem que ninguém tomaria medidas contra um kimbundo por causa do mal feito do responsável por Dolisie, que era Kikongo.
Todos ali tinham de saber, e Sem Medo deixou isso claro, que com ele era diferente, pois não se importava com as questões de tribalismos. Era um tipo justo e ninguém podia dizer que ele mesmo não criticava o André, kikongo como ele e um parente distante. Ninguém poderia afirmar que ele fizesse tribalismo ou ainda que ele se sujeitasse às chantagens tribalistas.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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