Estamos neste ponto em que Sem Medo conta o que seria o “grande segredo” de sua vida ao Comissário. Sentimos que sua intenção era a de tranquilizar o camarada antes de sua visita a Ondina. A narração revela aspectos de sua intimidade com Leli, que havia sido sua grande paixão nos tempos de mocidade.
(...)
Certo
dia, Leli abriu-se a respeito de sua intenção de se mudar para junto do outro
homem... Sem Medo encheu-se de ciúme e raiva... Quis mesmo procurar os dois
pelo vilarejo de barracos para matá-los.
Logo percebeu que estava errado... Entendeu que a decisão
da amada tinha a ver com o esfriamento da relação e que o melhor que tinha a
fazer era reconquistá-la.
No dia seguinte ela reapareceu dizendo que não tivera
coragem de procurar o tipo e que decidira passar a noite na casa de uma amiga.
Sem Medo entendeu que ela ainda se sentia bem presa a ele e que talvez seria
interessante se passasse pela experiência de viver com o outro. Considerou que
só assim poderia vivenciar o processo de reconquista.
Então
decidiu rejeitá-la... E fez isso dizendo que não queria mais saber dela. Acrescentou
que tinha a intenção de se aproximar de outras mulheres. Essa mudança fez com
que Leli estremecesse... Por um momento ele mesmo pensou em recuar, mas por fim
decidiu reforçar o discurso de que já não se interessava por ela. Evidentemente
isso a deixou arrasada.
(...)
O Comissário Político quis saber por que ele não
interrompeu o “jogo” naquele instante mesmo e a reconquistou, como era a sua
intenção. Sem Medo respondeu que precisava “consolidar a vitória”.
(...)
O
fato é que Leli terminou decidindo mudar-se para junto do tipo... Ele
trabalhava nos correios, era “metido a intelectual e extremamente vaidoso”. Mas
logo ela começou a perceber que ele não lhe acrescentava em nada.
Sem
Medo passou a se encontrar com Leli... A relação dos dois passou a ser de
amizade, e ela lhe confidenciava todas as suas desilusões.
Aconteceu que, aos poucos, Leli começou a ver em Sem Medo
um tipo amadurecido e mais seguro, que a compreendia como ninguém. De sua
parte, este procurou se aperfeiçoar cada vez mais em se apresentar como adulto
ao qual ela podia se afeiçoar.
Para ainda mais sufocá-la, Sem Medo fazia questão de ser
notado com outras moças... O ciúme a aterrorizava. Enquanto isso, sua relação
com o outro só deteriorava. Ela o procurava diariamente e tornou-se comum
jantarem juntos. Nessas ocasiões revelava-lhe as muitas angústias. Sem Medo
aproveitava para destacar a vaidade e ideias ultrapassadas do tipo.
(...)
O Comissário ficou impressionado com os detalhes e com a “análise
de classes” que Sem Medo conseguiu concluir ao deixar claro que os defeitos de
Leli a colocavam muito mais na categoria de “grande-burguesa” do que na de “pequeno-burguesa”.
Sem
Medo explicou que essa “análise” só se tornara possível tempos depois. Neste
ponto da conversa, ele decidiu retirar os pés da água e prosseguiu dizendo que
depois de dois meses a Leli se fartou definitivamente do “príncipe”. Então
certa noite ela lhe confidenciou que arranjaria um amante. Tomou o cuidado de
garantir que no tempo em que moraram juntos jamais o traíra devido ao respeito
que sempre tivera por ele.
Sem Medo entendeu que esse era o momento certo para
convidá-la a passar a noite em sua casa. O fato é que dançaram por várias horas
até que ele percebeu a ocasião perfeita para puxá-la para a cama. A noite
inteira foi da mais intensa paixão.
Na manhã seguinte, Leli dirigiu-se à casa do tipo para
recolher suas tralhas.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto