Sem Medo contou que a Leli decidiu voltar ao seu convívio... Isso significa que ele a reconquistou, que “venceu o jogo”.
O Comissário Político quis saber o que ocorreu na sequência... O comandante explicou que ele mesmo havia passado por uma transformação. O fato é que havia se habituado à solidão... Tinha dominado o ciúme e conseguiu se libertar da paixão doentia que nutria pela Leli. Seu projeto inicial era o de reconquistá-la e assim poder sentir-se superior. Como vimos, aconteceu a reconquista... Com ela veio a sensação de superioridade e de libertação. Havia se vingado!
(...)
A vivência com outras mulheres o levara a buscar outras
mais. Então aconteceu que se viu sem condições de dedicar fidelidade à
companheira. Mas em vez de o criticar, ela o perdoava. De certo modo, Leli calculava
que suas aventuras eram como que uma vingança por tudo o que fizera ao se
decidir juntar ao outro. Pode até ser que se sentisse triunfante por ter sido
aceita novamente.
A conclusão de Sem Medo era a de que ela descobriu que
de fato o amava. E isso era algo que tentava esconder porque evidentemente o
relacionamento alcançara outro patamar bem distante da transformação desejada
pelos parceiros mais sinceros.
Depois
de uns dois meses, Sem Medo tomou a decisão de abandoná-la em definitivo. Sentia-se
mais livre e avaliou que o passado já não lhe tocava... Pouco importava a
temporada de Leli junto ao tipo; definitivamente já não sentia nada de mais por
ela. Depois de refletir diante de umas garrafas de cerveja, decidiu lhe dizer
que se habituara a viver sem ela, que não a amava e que estava tudo acabado.
Depois de algum drama, Leli aceitou esse novo
rompimento, não sem dizer-lhe “umas verdades”. Vociferou contra o seu orgulho e
que se sentia mal por ter se sacrificado a ele.
(...)
O
Comissário comentou que, de certo modo, ela falara-lhe com razão.
Sem
medo disse que quando a reconquistou, o fizera com sinceridade e que não
pensava no rompimento... Mas o que se passara podia ser interpretado de
diversas formas... Havia a interpretação de Leli, e ele também tinha o direito
de chegar à própria conclusão.
Mas o que mais doía em Sem Medo era o que veio a ocorrer
depois de tudo isso. Ele lembrou que houve o 4 de fevereiro (ver https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-final-do-relato.html) e que na ocasião militava
clandestinamente... Conseguiu passar para o Congo e reuniu-se aos rebeldes.
Entrementes, Leli vivia o seu drama de amor e tentava encontrá-lo para reatar.
Acontece que a situação estava bem complicada em Luanda e,
no mês de abril, Leli tentou fugir para o Congo, mas foi capturada pela UPA...
Acabou assassinada apenas por ser mestiça.
(...)
Sem Medo parou de falar, mas o Comissário entendeu que ele
se sentia culpado pela morte da jovem Leli. Ele admitiu que era isso mesmo o
que acontecia. E desde a sua morte, era ele quem passara a viver traumatizado. Doía-lhe
saber que enquanto ela viveu tentou em vão reconquistá-lo... O caso era que
depois de morta conseguiu ligar-se a ele como nunca.
Desde
então, Sem Medo não se sentia em condições de se relacionar com qualquer outra
mulher... Sentia-se perseguido pelo receio de repetir com outras o que fizera à
Leli.
Olhou para o Comissário e sentenciou que “matar não custa”;
“Não é nada matar na guerra”.
(...)
O Comissário quis contemporizar e disse que aquilo
passaria logo que encontrasse a mulher certa... Sem Medo explicou que tivera a
oportunidade de conhecer muitas. Em 1962 estivera na Europa e se relacionara
com muitas estudantes. Depois, em 1964, já na guerrilha, encontrou muitas
outras jovens que se interessaram por ele... O fato é que a história com Leli o
tornou amargo e com o coração enrijecido.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-as-licoes-que-sem.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto