quarta-feira, 13 de março de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – o dirigente de Brazzaville conversa com Sem Medo a respeito do tribalismo nas várias regiões de atuação do movimento; dificuldades para extirpar as tendências sectárias; a “visão dos europeus”; burocracia e lentidão na apuração de denúncias

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-o-velho-kandimba-e.html antes de ler esta postagem:

André foi conduzido ao quarto onde permaneceria sob vigilância...
O dirigente enviado por Brazzaville chamou Sem Medo para a conversa que mais interessava no momento político do movimento em Dolisie. Ele disse que logo que chegou, a situação era das mais conturbadas por causa das acusações de corrupção, abuso de poder, falta de empenho para subsidiar a luta armada e o tribalismo.
(...)
Sem Medo respondeu que sabia da situação e que as denúncias eram todas verdadeiras. Emendou que até mesmo o André tinha quem o apoiasse. O dirigente disse que sabia das intrigas tribalistas e acrescentou que em outras regiões ocorria o mesmo problema.
Para o dirigente, a questão era das mais complexas. Deu o exemplo sobre uma ação hipotética de transferência de militantes tribalistas... Depois de espalhados pelas regiões de ação do movimento, eles acabavam se tornando os primeiros a se manifestar contra o tribalismo.
Sem Medo concordou e disse que ao se perceberem em minoria param de fazer as apologias... Mas lembrou que podiam voltar às manifestações de sectarismo assim que se vissem novamente amparados pelo grupo. Era só uma questão de “reagrupamento”... Ao se perceberem “reagrupados” enchiam-se de convicção a respeito da “superioridade de suas origens tribais”.
Sem Medo arriscou dizer que o melhor seria separar os grupos e manter os mais exaltados integrados a grupamentos heterogêneos por tempo suficiente para enfraquecer as tendências tribalistas.
O dirigente concordou e destacou que talvez a urbanização se encarregasse disso. Tal processo é lento... Sem Medo disse que mesmo na Europa a questão das “minorias nacionais” não estava resolvida.
O dirigente fez questão de apontar que a controvérsia entre os europeus não os tornava menos críticos em relação aos povos africanos quando faziam referências aos conflitos tribais. Sem Medo sentenciou que o que ocorria na Europa era muito semelhante às divergências que se notavam na África. Os europeus jamais admitiriam que entre eles houvesse tribalismo, todavia, a busca de afirmações entre as minorias nacionais era uma realidade que não se podia ignorar.
(...)
Algum dia aquela situação se resolveria? Os dois concordaram que sim, mas era certo que os movimentos pela unidade teriam muito trabalho. Era mesmo de se lamentar... Sem Medo destacou que foi preciso ocorrer o escândalo do André para que essa discussão passasse à esfera da organização do movimento.
O dirigente respondeu que até o momento não havia nenhuma ação mais contundente da direção porque “não havia dados concretos”, Sem Medo protestou e deu a entender que vários relatórios foram enviados desde a Base. Os guerrilheiros até estavam articulando uma “marcha sobre Dolisie” para tirar o André.
O dirigente reafirmou o seu entendimento e emendou que relatórios ou depoimentos não bastavam, pois necessitavam de fatos para que medidas mais drásticas fossem tomadas.
Sem Medo reagiu com indignação. Disse que qualquer um podia proferir ameaças de morte a outros exibindo a arma sem sofrer reprimendas porque a direção só tomava providências depois que algum homicídio ocorresse.
Tudo o que o dirigente disse foi que “as coisas não são simples”. Entendia que os guerrilheiros da linha de frente desejassem que os processos avançassem mais rapidamente e por isso acabavam subestimando a direção.
(...)
A conversa foi interrompida quando o próprio dirigente lembrou que ainda não tinha almoçado. Ele achou um absurdo que Sem Medo ainda estivesse de jejum desde que chegara ao escritório político. Então o comandante explicou como havia sido recepcionado pelo velho Kandimba.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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