André foi conduzido ao quarto onde permaneceria sob vigilância...
O dirigente enviado por Brazzaville chamou Sem Medo para a conversa que mais interessava no momento político do movimento em Dolisie. Ele disse que logo que chegou, a situação era das mais conturbadas por causa das acusações de corrupção, abuso de poder, falta de empenho para subsidiar a luta armada e o tribalismo.
(...)
Sem Medo respondeu que sabia da situação e que as
denúncias eram todas verdadeiras. Emendou que até mesmo o André tinha quem o
apoiasse. O dirigente disse que sabia das intrigas tribalistas e acrescentou
que em outras regiões ocorria o mesmo problema.
Para o dirigente, a questão era das mais complexas.
Deu o exemplo sobre uma ação hipotética de transferência de militantes tribalistas...
Depois de espalhados pelas regiões de ação do movimento, eles acabavam se
tornando os primeiros a se manifestar contra o tribalismo.
Sem
Medo concordou e disse que ao se perceberem em minoria param de fazer as
apologias... Mas lembrou que podiam voltar às manifestações de sectarismo assim
que se vissem novamente amparados pelo grupo. Era só uma questão de “reagrupamento”...
Ao se perceberem “reagrupados” enchiam-se de convicção a respeito da “superioridade de suas origens tribais”.
Sem Medo arriscou dizer que o melhor seria separar os
grupos e manter os mais exaltados integrados a grupamentos heterogêneos por
tempo suficiente para enfraquecer as tendências tribalistas.
O
dirigente concordou e destacou que talvez a urbanização se encarregasse disso.
Tal processo é lento... Sem Medo disse que mesmo na Europa a questão das “minorias
nacionais” não estava resolvida.
O
dirigente fez questão de apontar que a controvérsia entre os europeus não os
tornava menos críticos em relação aos povos africanos quando faziam referências
aos conflitos tribais. Sem Medo sentenciou que o que ocorria na Europa era
muito semelhante às divergências que se notavam na África. Os europeus jamais
admitiriam que entre eles houvesse tribalismo, todavia, a busca de afirmações
entre as minorias nacionais era uma realidade que não se podia ignorar.
(...)
Algum dia aquela situação se resolveria? Os dois
concordaram que sim, mas era certo que os movimentos pela unidade teriam muito
trabalho. Era mesmo de se lamentar... Sem Medo destacou que foi preciso ocorrer
o escândalo do André para que essa discussão passasse à esfera da organização
do movimento.
O dirigente respondeu que até o momento não havia nenhuma
ação mais contundente da direção porque “não havia dados concretos”, Sem Medo
protestou e deu a entender que vários relatórios foram enviados desde a Base.
Os guerrilheiros até estavam articulando uma “marcha sobre Dolisie” para tirar
o André.
O dirigente reafirmou o seu entendimento e emendou que
relatórios ou depoimentos não bastavam, pois necessitavam de fatos para que
medidas mais drásticas fossem tomadas.
Sem
Medo reagiu com indignação. Disse que qualquer um podia proferir ameaças de
morte a outros exibindo a arma sem sofrer reprimendas porque a direção só
tomava providências depois que algum homicídio ocorresse.
Tudo o que o dirigente disse foi que “as coisas não são
simples”. Entendia que os guerrilheiros da linha de frente desejassem que os
processos avançassem mais rapidamente e por isso acabavam subestimando a
direção.
(...)
A conversa foi interrompida quando o próprio dirigente
lembrou que ainda não tinha almoçado. Ele achou um absurdo que Sem Medo ainda
estivesse de jejum desde que chegara ao escritório político. Então o comandante
explicou como havia sido recepcionado pelo velho Kandimba.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-tribalismo-do-velho.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto