Sem Medo ficou sabendo que poderia ser transferido para outra área onde o movimento pretendia iniciar novas ações mais ao leste. Isso o fez se lembrar de paisagens que mantinha na lembrança... Então pensou na bela Tundavala (na serra da Leba, província da Huíla), no deserto do Namibe (vasto deserto que atinge o litoral sul de Angola e se estende para a região costeira da Namíbia), nos caminhos para o sul... Nas montanhas do Lépi, no Bié e no Huambo (que por um bom tempo foi chamada de Nova Lisboa pelos tugas) com seus campos de milho, no Chongorói (em Benguela) e suas acácias...
O comandante seguiu pensando em Benguela e seu passado ligado ao tráfico de escravos... Imaginou que a ação guerrilheira poderia chegar a todas essas paragens e por um momento se viu sonhando com a possibilidade de construir uma realidade totalmente renovada.
(...)
O dirigente percebeu a divagação de Sem Medo e lembrou-lhe
que seu campo de atuação ainda eram o Mayombe e Dolisie. Este ressaltou que o
sonho o levava a “criar o futuro”.
A verdade é que já fazia um bom tempo que Sem Medo não
participava de um diálogo com notícias tão boas... Por isso empolgou-se. O
próprio dirigente observou que não lembrava da última vez que o vira tão
animado, “otimista e seguro de si”.
(...)
Depois
do café, Sem Medo explicou que iria à escola, pois devia “vigiar” o Comissário
e cuidar para que o mesmo não se envolvesse em novas confusões. Os dois se
despediram...
O Comissário até poderia vir a ser o novo comandante
da Base em substituição ao Sem Medo. De fato, o dirigente havia revelado que
tinha pensado nessa possibilidade. Todavia ele destacou que deviam levar em
conta sua juventude e por isso poderiam esperar um pouco mais para “promovê-lo”.
(...)
Realmente
as pessoas pareciam evitar qualquer contato com o Comissário Político. Sua
expectativa, de que seria visto como um leproso depois da notícia do adultério
de Ondina com o André, parecia ter se confirmado.
Ele
se dirigiu diretamente para o quarto onde estava a noiva. Logo que o viu, ela
foi dizendo que era melhor não a ter visitado. O Comissário explicou que depois
de ter lido a carta, achou que o melhor que tinha a fazer era vê-la o quanto
antes. Ondina insistiu que não tinham nada a falar.
Via-se que ela tinha passado por uns momentos de muita
tristeza e suas olheiras indicavam o derramamento de lágrimas. De sua parte, o
Comissário argumentou que precisava saber o que havia se passado, embora ela
quisesse convencê-lo de que aquilo só faria aumentar o sofrimento de ambos.
Ele perguntou se não tinha o direito de saber dos fatos...
Ondina respondeu que não se tratava disso. Explicou que não deviam conversar e que
o certo a se fazer era obter a transferência. Estava tudo acabado.
Depois de perceber que o João (que era como ela costumava
chamar o Comissário) não desistiria, Ondina resolveu perguntar o que ele queria
saber.
(...)
Estava
claro que o Comissário queria saber tudo o que se passara. Ele não se importava
com a ideia de masoquismo e queria compreender, pois só assim aceitaria o drama
que estavam vivendo.
De modo simplificado, Ondina explicou que já fazia uma
semana que o André dirigia o jipe pela estrada para Dolisie e a encontrara pelo
caminho. Ele lhe ofereceu uma carona e parou num bar, onde tomaram cerveja.
Mais tarde ele a levaria para a escola, mas decidiu parar o veículo perto do
capinzal, para onde os dois seguiram e tudo o mais aconteceu.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-revelador-dialogo.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto