domingo, 3 de março de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – revelações sobre ideias anteriores de uma ação contra a incompetência de André; Sem Medo mostra um lado conservador de sua personalidade; Lutamos e sua crença nos presságios da natureza; de alguns sinais do envelhecimento

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-o-comissario.html antes de ler esta postagem:

O Comissário Político surpreendeu-se ao ouvir do próprio Sem Medo que talvez fosse o caso de a Base se revoltar e marchar contra Dolisie para destituir o André... Destacou que os guerrilheiros kikongos poderiam se recusar, mas também era possível que fossem convencidos pelo próprio comandante.
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O Comissário duvidava também dessa última possibilidade porque sabia que o André vivia dando dinheiro aos guerrilheiros... Evidentemente essa era a maneira que ele encontrava de silenciá-los. Sem Medo ressaltou que alguns, como Pangu-A-Kitina, viviam reclamando da situação. Era certo que tinham de levar em conta que os kikongos eram minoria e não fariam oposição ao motim assim que percebessem que o próprio comandante encabeçava a revolta.
Sobre a possibilidade de perder o prestígio entre os kikongos, Sem Medo deixou claro que não dava a mínima importância... Também admitiu que não apresentava a proposta porque a considerava grave e que talvez devessem experimentar outra solução. Neste pontoo Comissário estranhou, pois de algum modo o comandante se mostrava mais contido e “menos anarquista”.
Sem Medo quis saber se o camarada Comissário se encarregaria de liderar a insurgência. Este respondeu que já havia pensado, mas destacou que gostaria de perceber a movimentação nascendo no interior do grupo até que a maioria exigisse a ação. Disse também que não descartava a possibilidade porque o que estava em jogo era o sucesso do movimento... Desde a última missão todos haviam percebido que estavam no caminho certo. Se o André estava sabotando a guerra, os militantes tinham todo o direito de excluí-lo da direção.
O comandante disse que o camarada estava sendo demagogo porque ele bem sabia que todos topariam a empreitada se vissem que os dois estavam unidos na causa. Isso significa que ele sabia que “influenciava as massas” (no caso, os guerrilheiros da Base) e não precisava dizer que se submeteria à opinião da maioria.
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A conversa foi interrompida pelo Lutamos, que passou rapidamente pelo alojamento e pediu autorização para caçar. Insistiu que teria sorte, pois tinha visto um pássaro azul sobrevoando o rio. Esse era um sinal de que teria sorte.
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Apesar do adiantado da hora, Sem Medo o autorizou a sair e brincou que do contrário ainda o acusariam de ser o responsável pela fome só porque não permitia que o caçador agraciado por um sinal da “Providência” fosse caçar. Isso à parte, é claro que Lutamos jamais deixaria de acreditar naquele tipo de presságio independentemente do sucesso de sua caçada.
Depois que Lutamos saiu, os dois voltaram a falar a respeito da hipótese de levante contra o André. O Comissário Político destacou que já havia pensado na movimentação rebelde tempos atrás, mas não cogitava comunicá-la ao chefe por achar que este assumiria a frente e faria o discurso de ataque que inflamaria os camaradas.
Sem Medo destacou que, como se podia notar, não era bem assim que as coisas se davam. O Comissário apenas pensou que o companheiro era de difícil decifração. Na sequência pediu um cigarro... O comandante estranhou a novidade e deu-lhe um dos poucos que ainda lhe restavam no maço... Meio sem jeito, o Comissário desistiu de fumar, pois notou que o cigarro faria falta ao Sem Medo. E este não insistiu porque admitiu que suportava melhor a fome do que a vontade de fumar, e destacou que quanto menos se alimentava mais lhe acontecia de querer do tabaco. Disse isso e emendou que pelo visto teriam mesmo de fazer a ação contra o André.
Seria só por causa dos cigarros? Ele brincou que pelo menos teria um “motivo sério” que encobriria todos os escrúpulos.
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Os dois se puseram a sorrir e Sem Medo notou que o riso do jovem Comissário parecia sair da pele... Diferentemente do seu riso, que era entranhado... Então pensou que conforme o tempo passava mais isso acontecia... Como seria no futuro? E após a própria morte?
Talvez de dentro da cova explodisse um riso de abalar a superfície.
Leia: Mayombe. Editora Leya.Um abraço,
Prof.Gilberto

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