Na sala do Comando estavam Sem Medo e Teoria... O Comissário Político chegou e já desabou sobre a cama. O comandante estava comentando sobre o caso de um guerrilheiro que havia sido capturado pelos tugas e que, de acordo com a transmissão do rádio, vinha prestando declarações. O Comissário disse que não ouvira nada a respeito... Já o professor achava que o episódio, se verdadeiro, poderia provocar maiores ofensivas, sobretudo porque o rapaz seria obrigado a fornecer informações sobre o movimento.
(...)
O
que o capturado poderia fazer? Preso e encurralado por inimigos cruéis! Teoria
lembrou que alguns até podiam resistir chegando às últimas consequências, mas
sabia que a maioria acabava falando tudo o que perguntassem. O próprio “isolamento
moral” os forçava a ceder!
Depois foi a vez de Sem Medo dizer que também o “sofrimento
físico” devia ser levado em consideração. Na verdade, dependia muito do
militante. Teoria emendou que após o processo podia ocorrer um longo período na
prisão. Não era por acaso que a maioria não suportava.
Sem Medo destacou três tipos de reações à prisão. Lembrou
que é claro que elas dependem de cada um. Então destacou que há os que acabam
se conformando e, apesar de demonstrar atitudes desesperadas (gritos
inconformados alternados por prantos e protestos), são os que aceitam a
desgraça na qual se encontram. Todo inconformismo, neste caso, revela a
aceitação típica dos que não possuem personalidade. Suas manifestações são
recursos inconscientes que os levam a crer (ou a dar a entender) que permanecem
resistentes contra a situação dramática em que se encontram.
Teoria
pediu para Sem Medo prosseguir com a classificação, pois achou-a muito
interessante... Já o Comissário continuou em seu esforço de introspecção sem
mostrar qualquer sinal de que prestava atenção à conversa. Então o comandante
disse que havia também os inconformistas, que são os que tudo fazem para se
libertar das garras do inimigo... Tentam fugir e se não logram sucesso fazem
outros planos indefinitivamente... Sua rotina no cárcere não é das mais fáceis
porque os carcereiros percebem o tipo de gente que são e os escolhem para
sessões de pancadaria.
Além dos “conformados” e dos “inconformados”, havia os
“inconformistas serenos”. Segundo Sem Medo, esses são os que percebem que a
fuga é simplesmente impossível, então resolvem se juntar aos demais
encarcerados para dar corpo às rebeliões... Percebem a inutilidade das
lamentações, então procuram maneiras de manter a mente ativa, tentam estudar,
escrever... Em relação aos simplesmente “inconformados”, esses “serenos” evitam
as tentativas inúteis de fuga, pois acreditam que elas apenas desgastam a
possibilidade de uma manifestação mais organizada.
Teoria
disse que colocaria o camarada Sem Medo no grupo dos inconformados... O
Comandante respondeu que preferiria estar entre os “inconformados serenos” e
emendou que talvez o outro estivesse com a razão, já que “nem sempre se
consegue ser o que se deseja”.
(...)
O
professor foi requisitado pelos demais camaradas, pois havia chegado a hora das
aulas.
Temos que acrescentar que elas continuavam pouco atrativas
para a maioria deles. Mas o Comando considerou que era melhor mantê-las pelo menos
porque durante o período os guerrilheiros esqueciam um pouco da fome.
Sem Medo resolveu perguntar ao Comissário o motivo de sua
cara amuada. Este começou a falar a respeito da conversa que tivera com Mundo
Novo a respeito da indisciplina que grassava em meio ao grupamento e sobre a
sua atitude mais “liberalista”.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto