domingo, 15 de julho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – Sem Medo faz relato sobre a ocasião em que teve de executar um traidor a facadas; o Comissário parece ter entendido que a vivência guerrilheira é de perturbações que sua formação política não dá conta; outra narrativa pessoal do guerrilheiro Milagre; fim do capítulo I

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/07/mayombe-de-pepetela-o-julgamento-de.html antes de ler esta postagem:

O Chefe de Operações apoiou as palavras do Comandante... Salientou que a execução provocaria revolta em meio aos camaradas e que o resultado mais provável seria a deserção de vários deles. Então o Comando devia refletir sobre a situação já complicada pela pouca quantidade de combatentes.
O Comissário redarguiu... Disse que o argumento não era válido e que preferia que restassem apenas cinco verdadeiramente compromissados com a causa (isso incluía necessariamente a política). Depois reclamou que as palavras do Chefe de Operações eram de chantagem.
Com isso ele queria dizer que os guerrilheiros chantageavam com a baixa quantidade de efetivos na Região. Eram mal formados e sabiam que para o movimento eram imprescindíveis. O Comissário garantiu que o verdadeiro efetivo era a gente das aldeias. Conseguiriam o apoio do povo fazendo vistas grossas ao roubo de carteiras?
Sem Medo decidiu intermediar a discussão... Disse que o Comissário estava certo ao questionar o argumento do Chefe de Operações... Porém pediu-lhe que respondesse aos argumentos que ele mesmo levantado anteriormente.
O Comissário vociferou que o Comandante não passava de um sentimental e acrescentou que não acreditava que ele fosse capaz de ordenar o fuzilamento do traidor.
Nesse instante o Comandante esforçou-se para manter-se controlado... Sem alterar a voz, disse que o oficial precisava saber que ele mesmo já havia executado (sozinho) um traidor por decisão de um comando como aquele. Precisava saber também que a execução havia sido a punhalada, pois estavam num sítio não muito afastado dos inimigos.
(...)
Sem Medo perguntou ao Comissário se ele já vivera essa experiência de espetar um punhal na barriga de alguém. Referindo-se ao que lhe havia sucedido, explicou que poderia ter evitado apresentar-se como o algoz... Mas o que podia fazer se todos os demais também não se apresentavam como voluntários?
Ele também não tinha coragem, mas ofereceu-se para dar exemplo aos camaradas. Sem Medo lembrou que o Comissário ainda não estava entre eles quando essas coisas se deram... Salientou que ninguém falava a respeito do episódio porque era algo pouco agradável de se falar.
O Comissário Político tinha de saber que a tarefa de executar o companheiro traidor fora das mais difíceis. O Comandante deu a entender que, diante daquela responsabilidade, fazer-se voluntário num assalto a quartel era brincadeira.
E disse mais... Quis que o Comissário refletisse a respeito da facilidade que um assassino devia ter ao levar a cabo uma execução a punhalada. Mas esse não era o caso dos que entram na luta por amor à vida humana.
(...)
O Comandante prosseguiu dizendo que a reação dos demais companheiros na ocasião da execução foi das mais terríveis... Bravos combatentes voltaram seus olhares ou taparam as vistas para não assistirem à brutalidade do momento.
Como apagar da memória o instante em que ele mesmo pôde sentir as convulsões do supliciado enquanto era rasgado pela lâmina?
Por fim Sem Medo quis saber se o Comissário desejava conhecer mais detalhes a respeito de sua experiência na execução de um traidor... Não obteve resposta e agradeceu a “oportunidade” de falar-lhe a respeito.
O Comissário notou que os olhos do Comandante estavam repletos de lágrimas... Aquele desabafo teve o efeito de bofetadas. Então o oficial entendeu que não tinha mais nada a dizer.
Já o Chefe de Operações achou conveniente encerrar a discussão afirmando que o Comando não tinha autoridade para condenar o guerrilheiro à morte... A eles cabia propor a execução, mas a decisão caberia à Direção do MPLA.

(...)

Na sequência vemos o guerrilheiro Milagre assumir nova narrativa pessoal.
Mais uma vez o rapaz se identifica como um tipo oriundo de Quibaxe, terra onde os explorados partiam para cima dos inimigos empunhando apenas suas catanas... Dos tempos passados trazia ainda a revolta de ter o pai morto e com a cabeça arrancada pela pá de um trator imperialista...
No momento sentia que a injustiça não o abandonara e que ela pesava sobre o grupamento de guerrilheiros. Milagre não aceitava a punição imposta ao Ingratidão do Tuga. Com indignação viu o outro amarrado e sendo conduzido ao Congo. E por quê? Apenas porque subtraíra “cem escudos dum traidor de Cabinda!”
É Milagre quem nos revela outros detalhes... Seis meses de cadeia ao condenado... Ele não se conformava porque em seu entendimento havia traidores entre eles sem nenhuma punição. Citou o caso de Lutamos, que havia se antecipado na mata apenas para avisar os trabalhadores sobre a ação guerrilheira. Era um sabotador! Também Ekuikui, que havia guardado o dinheiro, não sofreu nenhuma punição!
(...)
No entendimento de Milagre, o Comandante era o único responsável pela punição ao Ingratidão... Então disparou a incoerência de terem entre eles um intelectual (que não conhecia a vida de sofrimentos) para definir a respeito da vida e da morte.
O guerrilheiro fez referências à “Primeira Região” garantindo que lá as coisas seriam diferentes porque os homens não admitiriam esse tipos de comando... Na “Primeira Região” não restaria alternativa a Sem Medo (afinal, “quem lhe deu esse nome?”), que buscaria refúgio entre os tugas.
As críticas de Milagre também se dirigiram ao Comissário. Em seu entendimento, o jovem só fazia o que Sem Medo decidia.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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