Na manhã do dia seguinte, o Comissário Político partiu para Dolisie com alguns guerrilheiros. A comitiva estava encarregada de entregar o Ingratidão do Tuga ao cárcere. Como sabemos, o Comissário tinha ainda a missão de conseguir mantimentos.
(...)
Para
os que permaneceram na Base, a primeira tarefa do dia era o estudo que
acontecia na sala localizada bem no centro da clareira. Mas a atividade se
esvaziou porque três dos camaradas dedicaram-se aos afazeres da cozinha. Por
sua vez, o comandante agrupou os jovens recém-chegados para que praticassem
exercícios físicos e pudessem ouvi-lo falar a respeito da missão que tinham no
Mayombe.
Nem mesmo o Chefe de Operações participou da aula, pois tomou
sua arma e saiu para caçar. Teoria, que estava acostumado a auxiliar o
Comissário Político nas aulas aos companheiros dirigiu-se à sala. O
guerrilheiro Mundo Novo, que tinha formação na Europa, poderia ajudá-lo, mas
notou que a maioria dos homens estava se esquivando, então decidiu acompanhar
de mais perto as atividades dos novatos e se acomodou numa área coberta de
capim aquecido pelos raros raios de sol que penetravam a mata. Pôs-se a limpar
a arma e a ouvir a falação de Sem Medo aos pupilos.
(...)
Lutamos chegou para junto de Mundo Novo... Este
sugeriu-lhe que se encaminhasse para a aula. O outro respondeu que estava
ocupado, lavando roupas.
Mundo
Novo sabia bem que o camarada sempre arranjava uma desculpa para fugir das
aulas. O Comissário o advertira diversas vezes por isso. Até fora castigado!
Lutamos entendia que a missão em Dolisie lhe propiciara “tirar folga da escola”.
Mundo Novo disse-lhe que o estudo era muito importante
para todos os que se engajavam na guerrilha. Na sequência perguntou ao Lutamos
sobre qual seria a sua utilidade após o triunfo da guerrilha. Onde e em quê
trabalharia se mal sabia ler?
O
rapaz respondeu que permaneceria no exército. Mundo Novo insistiu que também os
militares têm de estudar “artilharia, tática militar, blindados”... Nada disso
se aprende sem embasamentos de Matemática e Física.
Lutamos
emendou que não tinha intenção de se tornar oficial. Mundo Novo protestou.
Deixou claro que se os guerrilheiros não ocupassem as posições de comando na
sociedade que viria a surgir, corriam o risco de abrirem caminho para os que
defendiam as tropas tugas, tipos sem nenhuma formação política... Disse ainda
que certamente tramariam um Golpe de Estado e que isso seria uma constante,
algo como o que já vinha ocorrendo em vários países do continente.
Mundo
Novo reforçava a ideia de que, após a independência, Angola deveria ter um
exército politizado... Isso só seria possível se durante o conflito os
guerrilheiros se dedicassem também aos estudos.
Lutamos
parecia não ouvir as palavras do camarada, já que se mostrava atento aos
exercícios dos jovens. Neste ponto vale destacar que Sem Medo também
participava das cambalhotas e outras manobras ao mesmo tempo que bradava
incentivos aos moços.
Em resposta às observações de Mundo Novo, Lutamos disse
que já havia muitos na guerrilha que se dedicavam aos estudos e que não era
porque ele fugia das aulas que tudo estava perdido... Sustentou ainda que era
nativo da floresta e que o que mais gostava era de caçar perambulando de um
lado para outro... Acrescentou que se sentia bem também combatendo na
guerrilha. O que mais podia fazer se não gostava de estudar?
Na sequência, Lutamos citou algumas habilidades
apreendidas por ele. Sabia ler, escrever e até calcular multiplicações. Confessou
que no último ano só havia participado das aulas por causa das insistências do
Comissário Político.
Em
relação aos prováveis golpes de Estado a que o outro fizera alusão. Lutamos era
da opinião de que isso seria evitado na medida em que a população fosse armada
pelos revolucionários.
Mundo
Novo concordou, mas acrescentou que o povo deveria ser instruído pelos “quadros
bem formados” da guerrilha. Lutamos respondeu que o Comissário Político vivia
dizendo o mesmo. Quis deixar claro que ele não se encaixava naquele conceito,
pois não havia espaço para a política em sua cabeça e se considerava apenas um
guerreiro entre os demais.
Obviamente o rapaz desejava o triunfo da guerrilha, mas
não alimentava ambições políticas... Entendia que alguns desejassem ocupar postos
de direção e que, por isso, esses deviam mesmo estudar... De sua parte, se não
o quisessem nem mesmo no exército, poderia retornar ao Mayombe.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto