A crítica de Sem Medo era contra o dogmatismo, a “fé cega” com a qual os militantes se engajavam no movimento revolucionário...
Como os que integravam os altos comandos o entenderiam? Como um tipo como o Comissário Político o entenderia? Apesar dessas indagações, ele fez questão de apontar ao camarada que se encontrava ao seu lado que, se não conseguissem romper com a ideia de que basta seguir teorias e cartilhas para levar a Revolução ao triunfo, jamais vivenciariam um socialismo real.
O Comissário Político se defendeu dizendo que ninguém precisaria se sentir obrigado a se tornar dogmático para se integrar à realidade que viria após o triunfo do movimento... Sem Medo respondeu que seria preciso “abandonar a capela”.
(...)
Na sequência, o comandante argumentou que estavam
engajados num processo de tomada de poder. Ressaltou que seria interessante
refletir a respeito do que ocorreria depois... Certamente diriam ao povo que
construiriam o Socialismo... Mas as mudanças demorariam... Elas levariam uns
quarenta ou cinquenta anos para começarem a despontar, mas bem antes disso o
povo daria mostras de insatisfações e reclamaria que vários problemas
permaneciam sem a prometida resolução.
Essa
é uma situação previsível... Até porque há muitas mazelas na sociedade que
demandam muito tempo para serem sanadas. E há que se considerar que quanto mais
atrasado é o país, maiores são os desafios! Cinco anos seriam tempo
insuficiente para um governo revolucionário iniciar todas as reformas
necessárias, mas para o povo este intervalo seria algo difícil de se tolerar.
Dessa forma, não é preciso ser analista
político/social para prever as inúmeras pressões populares. A questão que o
Comissário Político deveria refletir era a respeito das decisões que os
dirigentes tomariam. O que fariam ao perceberem que os contrarrevolucionários
exerceriam influência sobre os insatisfeitos?
De
fato, reações contra o novo regime deviam ser consideradas porque os “elementos
de oposição” resultam de novas contradições... Também está claro que o imperialismo
não aceitaria a mudança e logo articularia forças armadas e as de propaganda.
Logicamente
o governo revolucionário trataria de organizar os mecanismos de repressão à
contrarrevolução. Então o partido equiparia sua estrutura de vigilância e isso
levaria ao expurgo todos os não disciplinados. A polícia política entraria em
ação e ganharia preeminência.
Um problema que se originaria daí é o de não se reconhecer
as críticas construtivas ainda que elas surjam dos quadros mais bem-intencionados...
Sempre haverá os que as rejeitam e que, por serem ambiciosos, as incriminará,
levando seus autores a processos nocivos.
(...)
Por tudo isso, Sem Medo não alimentava grandes esperanças.
Achava mesmo que a crítica seria completamente anulada pelos detentores do poder
cada vez mais centralizado. Como pensar em democracia num cenário como este? O
Comissário Político respondeu que tudo aquilo dependeria muito dos homens que
viriam a conduzir a Revolução...
Sem Medo sorriu desanimadamente. Disse que as próprias
estruturas que haveriam de ser criadas pelos dirigentes gerariam a repressão e
as prisões. As mesmas estruturas se tornariam empecilhos para os que chegassem
aos postos de direção, pois elas fariam o regime se fechar sobre si mesmo... O
ambiente aí será dos mais hostis... Não demoraria e a desconfiança invadiria as
mentes de todos.
(...)
O
que talvez pudesse ser feito para se evitar essa dramática condição seria o
partido garantir a “confrontação constante dos homens na prática”.
Mas evidentemente isso seria algo completamente
excepcional. O próprio Comissário Político, por tudo o que já haviam falado,
poderia testemunhar o quanto essa alternativa estava distante no horizonte.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-ainda-as-reflexoes.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto