segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – reflexões de Sem Medo sobre o provável panorama de pós-triunfo revolucionário; ansiedades das massas x realidade prática; contradições e riscos de se contribuir para o avanço totalitarista

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-sobre-pratica.html antes de ler esta postagem:

A crítica de Sem Medo era contra o dogmatismo, a “fé cega” com a qual os militantes se engajavam no movimento revolucionário...
Como os que integravam os altos comandos o entenderiam? Como um tipo como o Comissário Político o entenderia? Apesar dessas indagações, ele fez questão de apontar ao camarada que se encontrava ao seu lado que, se não conseguissem romper com a ideia de que basta seguir teorias e cartilhas para levar a Revolução ao triunfo, jamais vivenciariam um socialismo real.
O Comissário Político se defendeu dizendo que ninguém precisaria se sentir obrigado a se tornar dogmático para se integrar à realidade que viria após o triunfo do movimento... Sem Medo respondeu que seria preciso “abandonar a capela”.
(...)
Na sequência, o comandante argumentou que estavam engajados num processo de tomada de poder. Ressaltou que seria interessante refletir a respeito do que ocorreria depois... Certamente diriam ao povo que construiriam o Socialismo... Mas as mudanças demorariam... Elas levariam uns quarenta ou cinquenta anos para começarem a despontar, mas bem antes disso o povo daria mostras de insatisfações e reclamaria que vários problemas permaneciam sem a prometida resolução.
Essa é uma situação previsível... Até porque há muitas mazelas na sociedade que demandam muito tempo para serem sanadas. E há que se considerar que quanto mais atrasado é o país, maiores são os desafios! Cinco anos seriam tempo insuficiente para um governo revolucionário iniciar todas as reformas necessárias, mas para o povo este intervalo seria algo difícil de se tolerar.
Dessa forma, não é preciso ser analista político/social para prever as inúmeras pressões populares. A questão que o Comissário Político deveria refletir era a respeito das decisões que os dirigentes tomariam. O que fariam ao perceberem que os contrarrevolucionários exerceriam influência sobre os insatisfeitos?
De fato, reações contra o novo regime deviam ser consideradas porque os “elementos de oposição” resultam de novas contradições... Também está claro que o imperialismo não aceitaria a mudança e logo articularia forças armadas e as de propaganda.
Logicamente o governo revolucionário trataria de organizar os mecanismos de repressão à contrarrevolução. Então o partido equiparia sua estrutura de vigilância e isso levaria ao expurgo todos os não disciplinados. A polícia política entraria em ação e ganharia preeminência.
Um problema que se originaria daí é o de não se reconhecer as críticas construtivas ainda que elas surjam dos quadros mais bem-intencionados... Sempre haverá os que as rejeitam e que, por serem ambiciosos, as incriminará, levando seus autores a processos nocivos.
(...)
Por tudo isso, Sem Medo não alimentava grandes esperanças. Achava mesmo que a crítica seria completamente anulada pelos detentores do poder cada vez mais centralizado. Como pensar em democracia num cenário como este? O Comissário Político respondeu que tudo aquilo dependeria muito dos homens que viriam a conduzir a Revolução...
Sem Medo sorriu desanimadamente. Disse que as próprias estruturas que haveriam de ser criadas pelos dirigentes gerariam a repressão e as prisões. As mesmas estruturas se tornariam empecilhos para os que chegassem aos postos de direção, pois elas fariam o regime se fechar sobre si mesmo... O ambiente aí será dos mais hostis... Não demoraria e a desconfiança invadiria as mentes de todos.
(...)
O que talvez pudesse ser feito para se evitar essa dramática condição seria o partido garantir a “confrontação constante dos homens na prática”.
Mas evidentemente isso seria algo completamente excepcional. O próprio Comissário Político, por tudo o que já haviam falado, poderia testemunhar o quanto essa alternativa estava distante no horizonte.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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