Ainda sobre o episódio, Sem Medo admitia que Ondina teria sido uma “presa muito fácil”. Restava saber a razão pela qual ela se embrenhara naquele tipo de jogo de sensualidade. Talvez a moça tivesse a necessidade de julgar a si mesma. Poderíamos pensar que, para ele, as conquistas deviam ser mais difíceis. Mas ele mesmo esclarece que, especificamente com Ondina (“menina bem-educada”, nascida em bairro pobre e interessada em galgar patamares superiores), a peleja devia ser “natural e direta”, ou pelo menos mais trabalhosa.
Bem diferente seria se Ondina assumisse de uma vez que pretendia “conduzir o duelo” e a relação que dele se originasse... Sem Medo até entenderia também se o tal jogo tivesse como objetivo “retardar a captura” para “aumentar o prazer”. Mas ficou claro que estes não eram o seu caso.
(...)
O comandante estava em meio a estes pensamentos quando
Vewê surgiu à sua frente... O “jovem parente” foi se sentando na cama onde ele havia
se acomodado. Sem Medo não o considerou impertinente, mas perguntou-lhe se já
não o via como um “papão”...
O jovem não entendeu... Então Sem Medo explicou que
ele sequer havia pedido licença e foi se sentando como se estivesse na própria
cama. Teria perdido o medo?
O
rapaz não demonstrava grande confiança... Desde a janela outros guerrilheiros
observavam a cena. Eles sequer ouviram o que Sem Medo havia dito, mas notaram
que Vewê baixara o olhar dando a entender que aguardava a reprimenda. De sua
parte, Sem Medo apenas pensou que aquilo era mal se o moço vinha com toda
familiaridade apenas por achar-se no direito por ser parente. Por outro lado,
se se tratasse de uma atitude resultante de autonomia de caráter, aquilo era
bem visto por ele.
Sem Medo perguntou-lhe se achava que tinha mais
direitos do que os demais apenas por serem primos. Vewê não respondeu, em vez
disso falou que haveria uma transmissão da rádio em breve. O comandante o
repreendeu, pois evidentemente sua pergunta se referia à situação provocada
pelo rapaz naquele mesmo instante., então vociferou a mesma indagação num tom
mais alto de voz.
Os
que estavam à janela tornaram-se mais atentos à discussão. Dessa vez Vewê
respondeu com toda firmeza que não pensava daquela maneira. Sem Medo
perguntou-lhe o motivo de não ter pedido licença para se sentar à cama onde ele
descansava.
O
rapaz observou o grupo que os espiava pela janela e falou de modo que todos
pudessem ouvi-lo que achava normal, assim como entenderia se o comandante fizesse
o mesmo ao sentar-se em sua cama.
Sem
Medo entendeu como positiva a postura do rapaz. Então sorriu e pensou que ele estava
mais para onça, leopardo ou leão do que para cágado. Ficou contente porque teve
certeza de que ele se tornaria um bom guerrilheiro. Na sequência o autorizou a proceder
daquele modo a partir de então e sempre que quisesse.
(...)
Vewê assumiu postura triunfante no mesmo instante em que
observava o burburinho que se iniciou entre os demais... Foi então que Sem Medo
entendeu que a atitude do jovem em pouco ou nada era resultado de seu caráter
ou autonomia. Na verdade, aquilo não passava de uma encenação de situação que
havia apostado com os companheiros.
Sem Medo pôs-se a gritar com Vewê, exigindo que ele se
retirasse imediatamente. A ordem era para que desaparecesse de sua frente.
Vewê saiu aterrorizado... Logo o Comissário Político
interveio dizendo que o chefe não tinha nenhum direito de se dirigir a qualquer
guerrilheiro daquela forma.
Sem Medo estava mesmo furioso. Olhou severamente para
o outro enquanto pisoteava o resto de seu cigarro. O Comissário disse que não
havia assistido ao ocorrido, mas desaprovava completamente a atitude do
comandante.
Na
sequência, Sem Medo levantou-se e a atmosfera tornou-se mais tensa... Os
camaradas que a tudo observavam silenciosamente desde a janela ficaram na
expectativa do desenrolar da discussão.
Sem Medo vociferou que Vewê era um impostor e como o
Comissário não havia presenciado o ocorrido não podia interferir. Disse isso e
se retirou nervosamente da sala.
Logo alguns dos homens cercaram o Comissário, mas todos se
mantiveram calados... Mostraram-se decepcionados também com o fim do embate.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-depois-da-discussao.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto