segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – a resposta do comandante; da alienação do “engajamento desinteressado”; refutando a ideia de fraqueza diante das dificuldades; melhor encarar a realidade composta por “pequenos e grandes egoísmos”; Mundo Novo principia uma narrativa particular

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-o-jovem-mundo-novo.html antes de ler esta postagem:

Sem Medo não deixou Mundo Novo sem uma resposta...
Explicou que boa parte dos que se engajam na luta revolucionária a encara como “religião”... O certo é que muitos necessitam dessa condição e “precisam crer na generosidade abstrata da humanidade abstrata” porque é graças a isso que permanecem firmes e engajados.
Não via isso como algo totalmente inconciliável com os seus propósitos, mas não podia deixar de destacar que, em sua opinião, aqueles são fracos e pouco entendem da vida. Assim que se deparam com um dirigente revolucionário dado a enganar os militantes, desistem da luta... Destacou que é verdade que há os que se adaptam e tornam-se “menos exigentes” e os que prosseguem no “rigor religioso”. Esses últimos chegam ao fim da vida felizes, todavia sequer se dão conta de sua inutilidade.
Referindo-se à própria experiência, Sem Medo disse ainda que existem os que suportam os vários reveses sem se apoiarem em qualquer tipo de “fé cega”. Esses fazem uso da racionalidade, atuam com independência e entendem que provavelmente não atingirão todos os objetivos que almejam na luta. Os ideais que sustentam são reais e não é porque os caminhos são tortuosos e demorados que os abandonam.
Depois Sem Medo lembrou que todos possuem aspirações pessoais e egoístas... A economia e sociedade dominadas pela burguesia cunhou seres humanos individualistas. Essa é a verdade! Não se pode escapar desse raciocínio. Em vez disso, o movimento deveria aproveitá-lo e mostrar aos guerrilheiros que há sempre mais por conquistar.
Por fim, o comandante perguntou ao Mundo Novo se ele ainda mantinha a mesma opinião a seu respeito (a de que Sem Medo, por não ser um tipo otimista, poderia se cansar da luta e desistir)...
Diante do rapaz, Sem Medo colocava-se como camarada consciente de suas limitações e decidido ao engajamento revolucionário. Sendo assim, não haveria de desistir. De sua parte, prosseguiria ajudando os “pequenos egoísmos” na luta contra “os grandes egoísmos que tudo açambarcaram”.
Mundo Novo ouviu do chefe que apenas no caso de a revolução sofrer desvios em relação aos seus objetivos mais elementares é que ele a abandonaria. Todavia, garantiu Sem Medo, a essa altura já teria percebido que a sua ação seria inútil e gratuita.
(...)
Lutamos já não acompanhava o diálogo e há algum tempo se retirara para a margem do rio... Os guerrilheiros mais novos deixaram os exercícios e se acomodaram no aguardo de novas instruções.
Mundo Novo ouvira as palavras de Sem Medo com atenção, mas nada disse. Então o comandante perguntou-lhe se não concordava com elas... Deixou claro que não havia nenhuma necessidade de aceitá-las e que o rapaz podia procurá-lo em outra ocasião para conversarem mais.
Enquanto Sem Medo dirigiu-se ao local onde estavam os jovens guerrilheiros, Mundo Novo contemplou a vegetação do Mayombe, sobretudo as lianas que se agarravam às grandes árvores até elevadas alturas, de onde cresciam em direção ao solo.
(...)
Neste ponto do texto tomamos conhecimento de uma narrativa de Mundo Novo.
Nela o rapaz deixou claro que se recusava a acreditar nas palavras do comandante Sem Medo. Passou a observá-lo junto aos recém-chegados, ouviu seus gritos roucos e o esforço físico que dispensava aos exercícios. Como não notar o modo natural como o corpo do líder se integrava ao solo e à vegetação?
Para Mundo Novo, a insistência de Sem Medo em colocar-se como “interesseiro” só podia ser interpretada como vaidade. O homem tinha personalidade! Fazia questão de evidenciar o que os demais se esforçavam por esconder. Isso devia se explicar apenas a partir de sua “mentalidade pequeno-burguesa”.
A prática revelava o oposto. Todos podiam atestar que Sem Medo era abnegado e que partilhava tudo o que estava às suas mãos e que fosse demandado pelos demais.
Para o guerrilheiro de formação na Europa não era nada fácil admitir que “interesseiros e egoístas” fizessem a revolução.
Mundo Novo estava convencido de que o marxismo-leninismo lhe fornecera o embasamento crítico e necessário. Jamais aceitaria o ser humano enquanto indivíduo (este é nada!), pois apenas as massas fazem a História.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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