Em sua narrativa, Mundo Novo partia unicamente de própria experiência como princípio para a análise sobre a ética dos demais, e de Sem Medo de modo particular...
O rapaz não se via como egoísta... De acordo com seu raciocínio, se assim fosse teria permanecido na Europa em meio aos estudos. Sabia que muitos preferiram isso. Mas esses jamais fariam a revolução!
Mundo Novo só podia concluir que os que se engajavam na guerrilha eram “desinteressados” e não pensavam em projetos individuais de vida. Entendia que os intelectuais correm o risco de se distanciarem dessa máxima e, dessa forma, deixam de fazer parte da “vanguarda”. A “vanguarda do povo”, que é “pura”, é formada por operários e camponeses que não carregam o “pecado original da burguesia”.
(...)
Mundo Novo via o comandante Sem Medo comungar de
princípios anarquistas. Em sua opinião, seria preciso explicar-lhe que seu modo
de encarar a luta prejudicava o movimento.
Lemos
a interpretação do rapaz e entendemos que, enquanto refletia, analisava a
movimentação de Sem Medo. Ele via que este não garantia a necessária disciplina
mais austera entre os pupilos. Tanto é que disparava a rir quando um dos moços
se atrapalhava com os exercícios e acabava se machucando... Como que a
provocá-los, de repente disparava uma advertência mais zangada contra suas
hesitações.
Ainda para Mundo Novo, o Comandante era dotado do
chamado “sadismo maternal” que, no final das contas, era o que enchia os
novatos de confiança para os próximos exercícios. Assim o mestre prosseguia,
entre sorrisos discretos e dureza na transmissão das ordens.
(...)
Quem
visse Sem Medo, também podia julgar que se tratava de um desalmado... Para
Mundo Novo, no entanto, era certo que o homem era do tipo que teria problemas
para dormir caso um daqueles jovens se ferisse mais gravemente.
Havia
muitas narrativas a respeito do altruísmo e abnegação de Sem Medo... Certa vez,
quando sofreram uma emboscada, foi ele quem se dispôs a correr em campo aberto
para salvar o Muatiânvua... Conta-se que ele se emocionou e chegou às lágrimas
ao certificar-se de que o outro manteve-se ileso e saiu do embate são e salvo.
Dessa
maneira Mundo Novo encerra a sua narrativa... Mas de modo algum admitiria que
“todos são egoístas”. As afirmações de Sem Medo só podiam ser resultado de sua
“vaidade pequeno-burguesa”.
(...)
Em Dolisie, o Comissário Político teve problemas para
contatar o André, que era o responsável pelo escritório político e servia de
elo do movimento com civis simpatizantes da causa.
O tipo havia marcado um encontro num bar... Mas não
compareceu no horário combinado. O Comissário encarregou o camarada Verdade de
aguardar a chegada do homem na sede política (o bureau). Sua esperança era a de
enquadrá-lo o quanto antes, por isso perambulou pelas ruas, bares e casas de
militantes. André simplesmente sumira do mapa!
Enquanto percorria as ruas da cidade, o Comissário pensou
que podia estar com sua noiva, Ondina. Mas a obrigação o levava àquela caçada.
Estaria o André se escondendo dele?
Depois
de longas caminhadas durante a maior parte da manhã, ele retornou ao escritório
político. Verdade adiantou-lhe que o tipo não aparecera. Ficou decidido que o
camarada não arredaria pé dali... Já o Comissário visitaria a escola, que era o
local de trabalho de Ondina.
(...)
A escola onde Ondina dedicava-se à educação de crianças e
adolescentes ficava a cerca de um quilômetro...
Enquanto se dirigia para lá, o Comissário pensava nos
companheiros que permaneceram na Base... Deviam estar passando fome!
Esses pensamentos o deixaram furioso. E mais irritado
ficou por causa do sol escaldante que queimava a estrada.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-escola-onde-ondina.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto