sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – o rico almoço oferecido pelo André; o Comissário entendeu que o dinheiro do movimento estava sendo desviado e que o dirigente queria comprar-lhe o silêncio; promessa de mantimentos antecipa o retorno à Base; o guerrilheiro Verdade arranjou um “rabo de saia”; uma chance de prolongar a estadia junto à noiva

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-ondina-uma-mulher.html antes de ler esta postagem:

O Comissário lembrou que ainda precisavam discutir sobre a situação do Ingratidão do Tuga... André disse que então era melhor que ele permanecesse por mais algum tempo em Dolisie. Na sequência entregou-lhe uma nota de 500 francos, sugerindo que a usasse para pagar uma cerveja gelada e a dividisse com Ondina.
Saíram para almoçar e André explicou que alguns congoleses haviam lhe fornecido combustível para circular com o jipe... O Comissário observava a postura do anfitrião e chegou mesmo a dizer-lhe que se recusava a aceitar o dinheiro, pois entendeu que sua única intenção era comprar-lhe a compreensão. Não disse o que estava pensado... Mais adiante saberemos a destinação dos 500 francos.
Por um momento o Comissário pensou em Sem Medo e calculou que ele procederia da mesma forma, além de dizer umas boas verdades ao tipo.
Por fim entendeu que não estava em pé de igualdade com o André... Avaliou que o seu comandante sim, ainda mais que os dois tinham praticamente a mesma idade.
(...)
Durante o almoço, cinco outras pessoas e mais a esposa do André se acomodaram à mesa. O Comissário notou a ostentação e sentiu-se mal por tomar parte da refeição cujo prato principal era fúnji com galinha. André antecipou-se a dizer que aquilo havia sido ofertado por congoleses, mas o Comissário entendeu que o dinheiro que era destinado ao movimento armado vinha sendo destinado para sustentar aquelas mordomias.
Ele sentiu raiva do anfitrião e permaneceu contrariado por todo o tempo que durou o almoço. Concluiu que era bem mais fácil enfrentar os tugas armados até os dentes em fogo cruzado do que suportar “certos problemas políticos”. Apesar disso, fez a refeição... Todavia pouco falou até que desistissem de conversar com ele.
Após o almoço, o Comissário tentou acertar o envio de mantimentos para a Base. André deu um jeito de evitar a discussão dizendo que providenciaria a comida o quanto antes. Também quis saber se havia homens suficientes para fazer o transporte.
O homem seguiu explicando que conseguiria o dinheiro e resolveria a situação, e que teria de organizar um “grupo de reabastecimento”, pois considerava a comitiva do Comissário pequena demais.
Ficou acertado que tudo seria arranjado para aquela mesma noite. Por dentro, o Comissário sentiu-se amargurado porque aquilo significava que mais uma vez o encontro com Ondina ficava comprometido.
(...)
A caminho da escola, ele encontrou Verdade... O camarada estava acompanhado de uma mulher. Sem perder tempo, adiantou-lhe que deviam se preparar para o retorno, pois o André conseguiria os alimentos e um “grupo de reabastecimento”. Verdade quis dizer que tinha um compromisso, mas o Comissário Político o apressou.
Evidentemente o guerrilheiro pretendia curtir a noite com a companheira. E foi por isso que se retirou enfurecido. O Comissário percebeu e pensou que o rapaz teria algum tempo porque certamente a saída de Dolisie ocorreria em meio à alta madrugada.
É claro que a situação não obrigava o Comissário a partir imediatamente... Ainda mais que teria de discutir e deliberar a respeito da prisão do Ingratidão do Tuga. Ele se questionou a respeito... Afinal, podia exigir o retorno imediato dos camaradas e permitir-se ficar por mais alguns dias? Isso possibilitaria os momentos agradáveis de que tanto necessitava junto à noiva.
Como pudemos depreender pelos registros anteriores, ele não se sentia à vontade para tirar proveito da ocasião.
(...)
Conforme se aproximava da escola, sentia aumentar a ansiedade...
Entre os militantes do movimento, os dirigentes eram vistos como uma casta superior, que tinha direitos a regalias que só podiam ser entendidas como excrecências.
Indo ao encontro da noiva, ele mesmo se sentia pertencente ao grupo dos privilegiados.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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