terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – ainda as reflexões de Sem Medo sobre o provável panorama de pós-triunfo revolucionário; riscos de cristalização de partido único, burocratização e demonização dos livre-pensadores; de populismo e demagogia

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-reflexoes-de-sem.html antes de ler esta postagem:

Sem Medo estava explicando ao Comissário Político a sua visão pessimista a respeito da realidade que surgiria após a Revolução... Deixava claro que se as principais lideranças não se abrissem para as críticas, e se continuassem a insistir no dogmatismo de suas cartilhas e manuais, o futuro seria dos mais tenebrosos e com a infeliz possibilidade de contribuírem para o advento de uma ditadura catastrófica.
Ele prosseguiu dizendo que fatalmente o Partido, soberano na realidade que surgiria, tenderia a se “cristalizar no poder”... E isso se tornaria ainda mais concreto quanto menos se proporcionasse a comunicação e o confronto de opiniões e ideias... Simplesmente não mais haveria contestação.
Então, todo aquele que viesse a se atrever a contestar seria automaticamente classificado como antirrevolucionário. O forte aparelho burocrático cuidará de apagá-lo da História! Os devidamente afinados prosseguirão com seu trabalho cada vez mais automático e “desapaixonante”.
Isso será a negação do “organismo vivo”, ou seja, daquele que se nega para “renascer de forma diferente” e (assim) gerar o novo.
(...)
O Comissário Político continuou a ouvir com atenção... Então resolveu dizer que o futuro dependeria muito dos atores... Dependeria dos homens que estivessem à frente do Partido... Sendo revolucionários, saberiam reconhecer as necessidades da população, corrigiriam erros de percurso e mudariam as estruturas que julgassem necessárias.
Sem Medo lembrou que os que viriam a ocupar os principais cargos seriam os da “velha guarda”... teriam certa idade e não estariam dispostos a perder cargos e privilégios. A menos que fossem tipos excepcionais!
O Comissário sugeriu que existem mesmo homens excepcionais... Mas Sem Medo emendou que raramente eles aparecem. Além disso, ressaltou que seria bom lembrar que um homem excepcional isoladamente pode bem pouco... Por algum tempo, ele e suas ideias podem prevalecer, mas aí corre-se o risco do culto à personalidade, a deificação... Algo bem típico dos povos subdesenvolvidos e marcados por intensa religiosidade.
Ao se pensar em um país como Angola, ainda teríamos de levar em consideração que apenas uns poucos (a “vanguarda”) se dispunham à luta... Não seria absurdo pensar que num caso desses a responsabilidade de liderança pudesse recair sobre apenas um homem.
(...)
Sem Medo queria dizer que quanto menor o grupo, menores são as possibilidades (e até viabilidade) de contestação. Dizer que o proletariado chegaria ao poder é demagogia pura! Os que tomam o poder são os que pertencem ao grupo de ação política que propaga que representa o proletariado. Isso significa que, dizerem que “o proletariado tomará o poder”, com o triunfo da Revolução, será sempre uma grande mentira. O Comissário e todos os demais quadros sabiam bem que para se tornar membro da restrita equipe de governo, a pessoa deve ter formação política e cultural... Qual operário obterá essas credenciais? Apenas os bem pouco aceitos pela organização e que se dedicarem por muito tempo aos estudos.
(...)
Sem Medo ainda destacou que os operários que passassem a participar dos principais quadros do movimento se tornariam intelectuais e, assim sendo, na verdade deixariam de pertencer à antiga classe.
Lembrou também que entre os militantes havia certas ressalvas ao reconhecerem o intelectual como quadro ativo... Deixou claro que este não era o seu caso, pois tinha os intelectuais em boa conta.
Seria preciso refletir também a este respeito! Tomando como exemplo a condição mesma do Comissário Político, garantiu que ninguém podia chamá-lo de camponês apenas porque vinha de família camponesa. Já fazia muito tempo que a sua atividade era o trabalho político, havia estudado muito e era leitor contumaz. Então não havia como não dizer que não se tratasse de um intelectual! A menos que se quisesse fazer populismo e demagogia!
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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