sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – ainda o diálogo sobre a relação entre a formação intelectual dos revolucionários e os futuros dirigentes do país; Mundo Novo “tinha de pensar e acreditar” que há os que se dediquem aos estudos com o objetivo único de melhorar a sociedade; interferência de Sem Medo e sua descrença em relação ao caráter “religioso” que predomina entre os jovens mais idealistas; advertências à negligência de Lutamos quanto aos estudos

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-aulas-no-mayombe.html antes de ler esta postagem:

Estamos neste ponto em que os guerrilheiros da Base se dedicavam às atividades na manhã da partida do Comissário Político à Dolisie. Podemos depreender que nenhum (ou pouco deles) quis se comprometer com as aulas. Sem Medo agrupou os jovens para os exercícios físicos e para fornecer-lhes orientações a respeito do Mayombe e a atuação guerrilheira. O Chefe de Operações retirou-se para caçar...
Mundo Novo observava a movimentação dos novatos e enquanto limpava seu armamento trocou algumas ideias com Lutamos a respeito da formação política e do futuro do país e dos combatentes após o triunfo do movimento.
(...)
Vimos Mundo Novo defendendo a ideia de que os rebeldes deviam se dedicar à formação política para liderarem a sociedade. Lutamos deixou claro o seu ponto de vista desinteressado em relação aos estudos e a tudo o que eles poderiam proporcionar aos quadros revolucionários. Para ele, os que estudavam esperavam apenas obter cargos de direção.
Mundo Novo insistiu que o outro tinha de admitir que nem todos pensavam daquela maneira. Mas Lutamos não acreditava em “estudo desinteressado” e protestou mais uma vez dizendo que os que se dedicavam às aulas e livros esperavam apenas “subir na vida, viver melhor e mandar”. Mundo Novo ponderou que havia certa razão no juízo do camarada, pois certamente os que estudavam entendiam que com isso viveriam melhor, todavia observou que havia entre os combatentes os que pensavam unicamente no bem da população.
Lutamos quis saber se seu interlocutor podia citar o nome de algum companheiro da Base que pudesse exemplificar o que ele acabara de afirmar. Mundo Novo respondeu que havia chegado há pouco tempo e que ainda não tivera tempo para conhecer a todos, apesar disso mantinha a convicção de que “tinha de pensar que estava certo”.
(...)
Neste momento da conversa, Sem Medo se aproximou dos dois depois de ordenar uma pausa nos exercícios físicos. Ele escutara o final do diálogo e foi logo perguntando a Mundo Novo se ele “tinha de pensar” (enfatizou isso) que haveria entre os rebeldes os que colocavam os objetivos revolucionários acima de interesses pessoais.
O rapaz respondeu afirmativamente... O Comandante o provocou dizendo que aquela postura era semelhante à dos crentes que sentem que não podem deixar de crer num Deus por temerem perder o “significado da vida” que a crença lhes garante. No mesmo instante, Mundo Novo respondeu que não era bem assim... Mas foi interrompido pelo comandante Sem Medo que garantiu que a situação era praticamente a mesma. Ele argumentou que, ao afirmar que “tem de acreditar” que alguns homens se desinteressam pelo próprio destino enquanto estudam e combatem os imperialistas, o jovem apenas sustentava algo com base na ideia de humanidade que ele construíra.
A realidade mostrava o oposto... A partir desse juízo, Sem Medo procurou tecer sua argumentação. É claro que os conceitos que Mundo Novo assimilou durante sua formação (parte dela na Europa) inspiravam-lhe uma visão otimista do gênero humano. Tratava-se de uma “concepção religiosa da política”.
Sem Medo disse que infelizmente muitos revolucionários acabavam pautando sua ação por este “aspecto religioso”... E pelo visto este era o caso de Mundo Novo.
O rapaz ouviu com atenção e depois perguntou a Sem Medo se ele não achava que havia mesmo os que estudavam desinteressadamente... O Comandante devolveu-lhe a pergunta ressaltando que na vida tudo o que se faz é por interesse.
(...)
Lutamos concluiu que o Comandante compartilhava de sua opinião, então se empolgou e disse que era exatamente por isso que não concordava com o Comissário Político, que teimava em obrigar a todos irem à escola.
Sem Medo encarou o guerrilheiro e vociferou que os que não querem estudar são burros. Respondeu que o Comissário tinha razão e que o Lutamos era um burro que parecia preferir ser “um tapado, enganado por todos”.
Na sequência, Sem Medo emendou um discurso em defesa da educação sustentando que é ela que nos torna livres e aptos a julgar com autonomia. Sem uma formação adequada, como é que Lutamos poderia entender o que seu Comandante dizia no momento? Se lhe ocorresse essa preocupação, teria de resolvê-la perguntando a outra pessoa!
O Comandante reforçou que os que não se interessavam pelo estudo sempre dependeriam de outros tipos. Há autonomia nessa condição? Evidentemente não. Por fim, sentenciou que “o objetivo principal de uma verdadeira Revolução é fazer toda gente estudar”.
Mas havia a divergência com Mundo Novo... Então observou que “nada é desinteressado” e disse que ele era ingênuo por acreditar que houvesse quem estude apenas para proporcionar o bem ao povo. Advertiu ainda que esse tipo de idealismo leva aos maiores erros.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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