Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-as-ultimas.html antes
de ler esta postagem:
Teoria dirigiu-se à cabana do guerrilheiro Kiluanje, que
era um chefe de grupo. O ambiente estava cheio de camaradas que participavam de
uma ríspida conversa sobre o que tinham presenciado. Entre os presentes
botavam-se Milagre, Pangu-A-Kitina, Ekuikui e o jovem Vewê, pivô da discussão
entre Sem Medo e o Comissário Político.
O
líder Kiluanje falava nervosamente contra a atitude de Sem Medo. Sua crítica
era contra o tratamento dispensado ao Vewê que, antes de ser um seu parente,
era guerrilheiro como qualquer outro.
Pangu-A-Kitina falou em defesa do comandante. Disse que
exatamente por serem primos, o chefe tinha o poder de até mesmo bater no
rapaz... Depois ainda reclamou de Kiluanje que, em sua opinião, não tinha o
direito de criticar.
Milagre observou que o Comissário Político havia se
zangado como raramente ocorria... Em sua opinião, isso só aconteceu porque Sem
Medo estava errado. Todos ali sabiam que o Comissário jamais se zangava sem
razão. No mesmo instante, Pangu quis saber se o Comissário nunca cometia erros.
Milagre respondeu que a questão não era essa, então provocou o outro dizendo
que só porque ele era kikongo se dispunha a defender as atitudes de Sem Medo.
Pangu-A-Kitina
devolveu o ataque no mesmo tom e disse que os que o acusavam assim o faziam por
serem kimbundos. Neste momento, Teoria percebeu que a discussão se tornara
tribalista e estava ficando séria demais, então gritou que era preciso pararem.
Aconteceu, porém, que nenhum dos camaradas deu-lhe a menor atenção.
Milagre
passou a dizer que Sem Medo já teria morrido se estivesse nos Dembos (tribos do
norte de angola). Pangu protestou dizendo que era assim mesmo que aquela gente
procedia, e fez referência a episódios de 1961, marcados por conflitos que
resultaram no massacre de umbundos e assimilados. Na sequência emendou que
ainda haveria vingança.
Teoria estava preocupado com os ânimos acirrados e com
a atmosfera de intolerância. Por isso colocou-se entre os mais agitados e
gritou para colocarem fim às ofensas. Milagre proferiu ataques aos kikongos e disse
que eles estavam dominando a UPA (União dos Povos de Angola) e que pretendiam
se tornar majoritários no movimento guerrilheiro, mas não passavam de
sabotadores a serviço dos imperialistas tugas. O chefe Kiluanje o apoiou, porém
pediu para ele deixar de falar porque as desavenças se resolveriam de outra
forma.
Pangu-A-Kitina
percebeu a provocação e perguntou de que modo, então, tudo se resolveria... Os
homens estavam exaltados e faltava pouco para se enroscarem numa luta aberta.
Mais uma vez o Teoria interveio e dessa feita ameaçou chamar o Comissário
Político. Milagre esbravejou que o camarada professor não havia sido convidado
para a discussão e, assim sendo, o melhor que tinha a fazer era se calar. O
chefe Kiluanje se pronunciou de acordo.
Teoria
quis contemporizar... Perguntou se eles conheciam a dimensão da gravidade do
que estavam dizendo. Ekuikui, que era seu companheiro de alojamento, o
interrompeu garantindo que não só sabiam como sentiam sinceramente o que diziam...
Uns manifestavam o ódio que nutriam pelas origens tribais dos outros. O rapaz
disse ainda que não concordava nem com o chefe Kiluanje nem com Milagre ou
Pangu-A-Kitina e exatamente por isso iria se retirar para dormir.
O professor implorou para que o camarada permanecesse...
Depois de segurá-lo pelo braço, disse que tinham o dever de colocar fim à
discussão. Ekuikui explicou que não tinham de se intrometer em discussões
daquele tipo. Neste momento, Kiluanje falou mais alto perguntando quem entre
eles estava a fazer “discussão tribal”.
Ekuikui deixou escapar um sorriso e em tom de ironia disse
que devia ter entendido mal quando ouviu falar de kimbundos e kikongos... Se
não haviam falado, então não tinha mesmo de se intrometer.
O chefe Kiluanje respondeu que não era porque falavam das
tribos que a discussão era tribal. Teoria se espantou e disse ao Pangu que o
melhor que tinha a fazer era se retirar em sua companhia. Mas este respondeu
que não tinha motivos para se sair e que estava muito bem. Vewê resolveu dizer
que a conversa não lhe interessava e que por isso mesmo se retiraria.
Foi isso mesmo que o jovem fez.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-o-problema-do.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto