Depois dos “batismos” dos jovens guerrilheiros, apenas Sem Medo, o Comissário Político e o Chefe de Operações permaneceram na Casa de Comando...
Sem Medo foi logo dizendo que a chegada dos rapazes fez aumentar o número de bocas e os responsáveis civis não enviaram comida para as necessidades que passariam a enfrentar.
Acontece que contando com mais os oito, a Base passou a ter um contingente de trinta homens! Por isso o Comandante emendou que o Comissário devia providenciar os alimentos junto aos responsáveis em Dolisie. Era preciso resolver a situação e, além disso, os “civis do exterior” tinham de se sentir incomodados, já que não demonstravam preocupações com a realidade e saúde dos que combatiam com armas.
(...)
O Chefe de Operações vinha
planejando passar um tempo em Dolisie... Pretendia rever a mulher e ficar com
ela ao menos por uma semana. A situação parecia-lhe propícia. Tinha de
ser escolhido para a missão, mas não ousou oferecer-se.
O Comissário percebeu o
olhar de seu adversário e entendeu suas intenções... Então pôs-se a dizer que o
próprio Sem Medo devia encarregar-se da tarefa, pois já fazia três meses que
não deixava o Mayombe.
No mesmo instante, Sem Medo
disparou que o Comissário tinha suas razões para retornar a Dolisie (em breve
saberemos a que o Comandante estava se referindo)... Acrescentou que, de sua
parte, ele é que não suportava os dirigentes civis... Além do mais, se tivesse
de ir a Dolisie, o faria para “quebrar a cara do primo André”. Sua
incompetência era tremenda! Enviou os oito “caga-fraldas” sem mandar comida!
(...)
O ponto de vista do
Comandante era simples. Entendia que era melhor o Comissário se encarregar da
tarefa porque este respeitava o André.
O Comissário apressou-se a
se justificar dizendo que procedia daquela forma por simples questão de
disciplina. Depois sugeriu que o Chefe de Operações talvez quisesse ir ter com
o André.
A ansiedade tomou conta do
Chefe de Operações, mas ele soube esperar as palavras do Comandante. Este
pôs-se a explicar que a ideia estava completamente fora de cogitação porque o
encarregado teria também de conduzir o Ingratidão do Tuga para a prisão.
Sem Medo não mediu as palavras ao manifestar que era capaz de o Chefe de
Operações facilitar a fuga do larápio pelo caminho só porque os dois eram
parentes.
O Comissário Político mostrou-se admirado e quis contemporizar... Disse
que as palavras do Comandante pareciam de brincadeira... Mas antes que pudesse
terminar, Sem Medo vociferou que conhecia bem a sua gente e que nunca falara
tão a sério.
Por dentro, o Comissário alegrou-se com aquelas
palavras... Observou o desafeto em sua retidão marcada por subserviência que o
impedia de reagir à agressividade que lhe havia sido dirigida.
Mas essa exultação durou
pouco, e o Comissário se autocensurou em seus pensamentos e depois colocou fim
à pendência ao assumir que se encarregaria da missão em Dolisie.
(...)
O Comissário admitiu sem entrar em detalhes que a missão não era de seu
desagrado. Além disso, a situação era de urgência, pois tinham provisão apenas
para mais uns três dias. Garantiu que encontraria o André e exigiria que o
mesmo providenciasse os alimentos e formasse um “grupo de reabastecimento”.
Ficou acertado que partiria
na manhã seguinte... O Comissário quis saber se havia outros assuntos a serem
tratados com o André. Ninguém pronunciou palavra a respeito, então ele mesmo
lembrou aos camaradas que seria necessário discutir um maior orçamento para a
Base... Depois emendou que um novo enfermeiro teria de ser enviado para o
Mayombe, pois Pangu-A-Kitina iria à localidade de Ponta Negra para tratar dos
olhos.
Tanto o Comissário falou
que Sem Medo o interrompeu comparando-o a certa mulher que “disparava duzentas
palavras por minuto”... Comparou-o também a um honrado Jesus que se inquieta ao
saber que o traidor será castigado.
O Chefe de Operações nada
entendeu daquelas palavras...
O Comissário olhou
espantado para Sem Medo...
Este
apenas sorriu do “alto de seus 35 anos”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-aulas-no-mayombe.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto