segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – só há provisão para uns três dias; alguém deve ir a Dolisie para conduzir Ingratidão do Tuga à prisão e exigir que André envie alimentos; Chefe de Operações e seu interesse em chefiar a missão; o Comissário e sua falação

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/01/mayombe-de-pepetela-oito-jovens.html antes de ler esta postagem:

Depois dos “batismos” dos jovens guerrilheiros, apenas Sem Medo, o Comissário Político e o Chefe de Operações permaneceram na Casa de Comando...
Sem Medo foi logo dizendo que a chegada dos rapazes fez aumentar o número de bocas e os responsáveis civis não enviaram comida para as necessidades que passariam a enfrentar.
Acontece que contando com mais os oito, a Base passou a ter um contingente de trinta homens! Por isso o Comandante emendou que o Comissário devia providenciar os alimentos junto aos responsáveis em Dolisie. Era preciso resolver a situação e, além disso, os “civis do exterior” tinham de se sentir incomodados, já que não demonstravam preocupações com a realidade e saúde dos que combatiam com armas.
(...)
O Chefe de Operações vinha planejando passar um tempo em Dolisie... Pretendia rever a mulher e ficar com ela ao menos por uma semana. A situação parecia-lhe propícia. T­­­­­­­­­inha de ser escolhido para a missão, mas não ousou oferecer-se.
O Comissário percebeu o olhar de seu adversário e entendeu suas intenções... Então pôs-se a dizer que o próprio Sem Medo devia encarregar-se da tarefa, pois já fazia três meses que não deixava o Mayombe.
No mesmo instante, Sem Medo disparou que o Comissário tinha suas razões para retornar a Dolisie (em breve saberemos a que o Comandante estava se referindo)... Acrescentou que, de sua parte, ele é que não suportava os dirigentes civis... Além do mais, se tivesse de ir a Dolisie, o faria para “quebrar a cara do primo André”. Sua incompetência era tremenda! Enviou os oito “caga-fraldas” sem mandar comida!
(...)
O ponto de vista do Comandante era simples. Entendia que era melhor o Comissário se encarregar da tarefa porque este respeitava o André.
O Comissário apressou-se a se justificar dizendo que procedia daquela forma por simples questão de disciplina. Depois sugeriu que o Chefe de Operações talvez quisesse ir ter com o André.
A ansiedade tomou conta do Chefe de Operações, mas ele soube esperar as palavras do Comandante. Este pôs-se a explicar que a ideia estava completamente fora de cogitação porque o encarregado teria também de conduzir o Ingratidão do Tuga para a prisão.
Sem Medo não mediu as palavras ao manifestar que era capaz de o Chefe de Operações facilitar a fuga do larápio pelo caminho só porque os dois eram parentes.
O Comissário Político mostrou-se admirado e quis contemporizar... Disse que as palavras do Comandante pareciam de brincadeira... Mas antes que pudesse terminar, Sem Medo vociferou que conhecia bem a sua gente e que nunca falara tão a sério.
Por dentro, o Comissário alegrou-se com aquelas palavras... Observou o desafeto em sua retidão marcada por subserviência que o impedia de reagir à agressividade que lhe havia sido dirigida.
Mas essa exultação durou pouco, e o Comissário se autocensurou em seus pensamentos e depois colocou fim à pendência ao assumir que se encarregaria da missão em Dolisie.
(...)
O Comissário admitiu sem entrar em detalhes que a missão não era de seu desagrado. Além disso, a situação era de urgência, pois tinham provisão apenas para mais uns três dias. Garantiu que encontraria o André e exigiria que o mesmo providenciasse os alimentos e formasse um “grupo de reabastecimento”.
Ficou acertado que partiria na manhã seguinte... O Comissário quis saber se havia outros assuntos a serem tratados com o André. Ninguém pronunciou palavra a respeito, então ele mesmo lembrou aos camaradas que seria necessário discutir um maior orçamento para a Base... Depois emendou que um novo enfermeiro teria de ser enviado para o Mayombe, pois Pangu-A-Kitina iria à localidade de Ponta Negra para tratar dos olhos.
Tanto o Comissário falou que Sem Medo o interrompeu comparando-o a certa mulher que “disparava duzentas palavras por minuto”... Comparou-o também a um honrado Jesus que se inquieta ao saber que o traidor será castigado.
O Chefe de Operações nada entendeu daquelas palavras...
O Comissário olhou espantado para Sem Medo...
Este apenas sorriu do “alto de seus 35 anos”.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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