sábado, 16 de fevereiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – o amor no capinzal; da incompatibilidade entre os desejos de Ondina e os traumas do Comissário; conversando sobre o nguendeiro dirigente do bureau

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-o-rico-almoco.html antes de ler esta postagem:

Mais uma vez o encontro do Comissário Político com a noiva foi ríspido. Mas logo que a jovem Ivone deixou o quarto, Ondina tornou-se bem receptiva.
O casal se retirou para uma área coberta de capim e possuíram-se mais de uma vez debaixo de uma grande mangueira. Era assim mesmo que muitos casais apaixonados daquelas localidades se relacionavam mais intimamente. Mas o Comissário era mesmo muito inseguro e não conseguia se entregar totalmente à parceira. Durante o coito ocupava o pensamento com as reações da amada e se enchia de preocupações sem saber se realmente a satisfazia.
(...)
Como não proporcionava uma relação natural, suas preocupações tomavam dimensões insuportáveis... A moça sempre percebia e acabava garantindo que experimentara grande prazer. Procedeu do mesmo modo nesta ocasião...
Um mentia para o outro, e Ondina não ousava discutir a relação porque sabia que o parceiro não tinha estrutura para encarar as incompatibilidades sem preconceitos. Ela esperava viver um relacionamento de amantes, mas via que o noivo sofria bloqueios e não conseguia se transformar no consorte amoroso.
A luta armada também os distanciava, então, como podemos notar, ele dificilmente se transformaria num tipo descontraído. Alguém poderia dizer que o casamento melhoraria a relação, mas Ondina não alimentava essa esperança, pois sabia que as ações no Mayombe continuariam por muito tempo enquanto que ela seguiria com as aulas na escola do povoado próximo a Dolisie.
Sua vivência de professora era madura. Era certo que tivera relacionamentos anteriores e estava decidida a encarar o noivado a partir de um viés mais racional... Mas era bem provável que o Comissário jamais mudasse.
Para complicar ainda mais essa situação, ele logo ficaria sabendo de certas aventuras que o tornariam ainda mais complexado.
(...)
Depois de certo tempo, ainda sob a mangueira, Ondina perguntou ao parceiro o que havia com o André, quais eram as suas pechas... Afinal, por que o Comissário Político não gostava do responsável pelo bureau?
O Comissário pôs-se a falar sobre o que vinha ocorrendo... Esbravejou quando disse que faltava comida na Base e aquele tipo vivia escapando dos encontros... Como a grave situação se resolveria? Como não desconfiar? André dissera-lhe que faltava dinheiro... Apesar disso quis obter o seu silêncio com os 500 francos. E mais! Era escandaloso o modo como vivia circulando com o jipe para todo lado.
Ondina observou que os guerrilheiros viviam reclamando que não recebem verba, mas, quando a recebiam, desconfiavam. O Comissário protestou dizendo que se não havia dinheiro para a comida dos que lutavam no Mayombe, também não era certo desperdiçar com cerveja.
Ela defendeu o dirigente e disse que entendia que o André sempre se mostrara preocupado com tudo o que os militares necessitavam. Ela mesma podia testemunhar que nunca lhe faltara nada.
Neste ponto o Comissário questionou e salientou que devia ser isso mesmo, quer dizer, o tipo dedicava atenção especial a alguns e não a todos os militantes.
Ondina pôs-se a rir e deu um leve beliscão no parceiro. Disse que ele não gostava do André porque tinha ciúme do modo como ele a tratava... A observação resultou num arregalar de olhos espantados do Comissário, que jamais pensou em algo semelhante.
Apesar disso, ele emendou que ela talvez tivesse razão. Sobretudo se considerassem a fama de mulherengo (nguendeiro) do André...
(...)
O Comissário também disse à noiva que ela se destacava em relação às demais, tanto por sua beleza quanto por sua formação... Daí a atenção diferenciada dispensada pelo outro.
Ela discordou... Em sua opinião, o que falavam a respeito do André não passava de calúnia.
Na próxima postagem veremos que o Comissário Político deu continuidade às suas críticas.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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