quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – Ondina, uma mulher especial; o dever guerrilheiro tornava o Comissário ainda mais inseguro com o relacionamento afetivo; cresce a aversão ao André

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-escola-onde-ondina.html antes de ler esta postagem:

Sobre Ondina, devemos esclarecer que fazia um ano que ela se mudara de Angola para o Congo... Não demorou, conheceu o Comissário Político e logo os dois se tornaram noivos.
A jovem tinha mais tempo de educação formal do que o rapaz. De certo modo o Comissário pensava que ela lhe fazia um “favor” ao aceitá-lo como companheiro e futuro marido, pois entendia que tipos “mais cultivados” podiam se interessar por ela.
Nem mesmo a formação política dera a ele a confiança necessária para evoluir no relacionamento. Sem Medo vivia lhe dizendo que aquele complexo de inferioridade ainda seria prejudicial ao amor deles...
Mas nessas questões o Comissário era muito inexperiente. Até então jamais tivera uma relação de namoro, e seu envolvimento com mulheres se resumia às prostitutas.
O texto dá a entender que Ondina o dominava também na relação sexual. A primeira vez do casal havia sido iniciativa dela... Ele se submeteu, sentiu-se aterrorizado e inibido. Algum tempo se passou até que deixasse de pensar que a relação com as prostitutas (quitatas) era melhor do que com a namorada.
O rapaz não se sentia confiante na relação e pensava que sua parceira não o aprovava na cama.
(...)
Retomando a conversa entre ele e a noiva, explicou que voltaria para Dolisie para tentar encontrar o André. Caso o achasse, acertaria a pendência que tinham em relação à comida que devia ser enviada à Base, daria a ordem para que um grupo a transportasse e então poderia ficar com ela por uns dias.
Depois dessa falação, o Comissário emendou que havia participado de um combate... Ondina tornou-se sensível, virou-se para ele, tomou-lhe as mãos e disse que ouvira falar da missão. Na sequência quis saber se havia sido muito perigosa.
Ele respondeu que tudo ocorrera bem... Daí a pouco se aproximaram mais e seus olhos quase que se tocaram. O calor do momento levou-os ao beijo... O Comissário entendeu que aquilo os apaziguava, todavia, a necessidade de se retirar imediatamente e encontrar de uma vez por todas o André o encheu de amargura... Foi com dificuldade que se justificou dizendo que teria mesmo de sair.
Ondina apenas sentenciou que era isso mesmo o que ele devia fazer. O rapaz colocou-se à porta e ficou a manipular o chapéu guerrilheiro. Via-se que suas inquietações pareciam incompatíveis... Mais uma vez, como que a se justificar, disse que o pessoal da Base devia estar com fome... E emendou que logo estaria de volta aos seus braços.
(...)
Ao se retirar, o Comissário Político pensava no quanto devia detestar o André, que era quem tinha o dinheiro para a aquisição dos mantimentos. Não bastassem os entraves que o outro parecia fazer questão de provocar à Base, ainda gerava todo o mal-estar que ele passara com a noiva.
Na cidade, enfim, encontrou-se com o tipo no escritório político. André era alto, magro e tinha ares de “intelectual-aristocrata”. Ele o conduziu à varanda e foi logo segredando que estavam enfrentando dificuldades com os congoleses, e era isso que explicava as suas andanças. Disse que não se esquecera das dificuldades da Base e da conversa que deviam ter. Em síntese, não havia dinheiro, mas dariam um jeito.
O Comissário ouviu aquelas desculpas sem lhes dar o menor crédito. Queria disparar que não acreditava nelas, pois olhava para o jipe e sabia que o veículo era deslocado para tudo quanto era canto, e certamente isso representava gastos.... Revoltado, quis vociferar que os camaradas da Base passavam fome, mas o seu temperamento “obediente aos superiores” o conteve.
Então ele manifestou o seu lamento dizendo que estivera a procurá-lo durante o dia anterior. André deu como desculpa o terem chamado “com urgência”, mas garantiu que mais tarde seria arranjado “qualquer coisa” e, assim sendo, no dia seguinte a comitiva poderia retornar à Base.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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