sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – o problema do tribalismo era complexo e parecia não ter fim; rivalidades históricas estão impregnadas na consciência dos camaradas; a troca de ofensas entre Pangu e Kiluanje se torna mais exacerbada; a intervenção do Chefe de Operações; Ekuikui e Teoria avaliam o lamentável episódio

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-depois-da-discussao.html antes de ler esta postagem:

Logo que Vewê se retirou da cabana do líder Kiluanje, onde ocorria uma agitada discussão entre os kikongos favoráveis ao Sem Medo e os kimbundos favoráveis ao Comissário Político, Pangu-A-Kitina voltou a provocar. Disse que Liluanje havia falado que “as coisas” se resolveriam sem falação... Então era preciso saber como isso ocorreria. Seria através de luta armada e tiros?
Teoria percebeu essa nova ofensiva e mais uma vez pediu para pararem. Kiluanje afirmou que havia muitas pendências e citou o grupo de certo Tomás Ferreira, que havia sido assassinado pela UPA... Disse que muitos outros foram perseguidos e eliminados pelo grupo. Certamente ainda seriam vingados. Pangu redarguiu que só porque era kikongo não significava que fosse da UPA.
Ninguém estava fazendo questão de ouvir os argumentos dos oponentes. Kiluanje nem levou em consideração as palavras do enfermeiro e atacou novamente ao dizer que a matança provocada pela UPA ainda não estava paga.
Pangu-A-Kitina devolveu que em 1961 a gente do chefe Kiluanje matou bailundos que viviam perseguindo e que eram protegidos por kikongos. Neste ponto o Teoria gritou mais uma vez que chamaria o Comissário Político se as ofensas não fossem encerradas. Dessa feita, Kiluanje admitiu que não discutiria mais, porém aconteceu que Pangu voltou à carga dizendo que deviam parar com as ameaças. Elas não o intimidavam até porque sua gente também possuía armas.
Teoria puxou o braço do camarada, mas este era muito mais forte e foi ele que acabou o arrastando para a sala. Kiluanje se mostrou mais calmo enquanto Pangu insistia em gritar que os seus não tinham medo de ameaças. Os kimbundos que presenciaram a cena começaram a rir. Alguns deles tiveram de conter o Milagre, que também estava bem agitado e dava a entender que partiria para a briga.
Pangu continuou o seu discurso de desagravo. Mais uma vez disse que os kikongos também tinham armas e que elas não eram apenas para ameaçar. Será que os kimbundos pensavam que o MPLA pertencia a eles? Pangu vociferou que estavam muito enganados, pois o movimento era de todos!
(...)
Os protestos de Pangu-A-Kitina atraíram outros guerrilheiros que se aglomeraram à janela. Os que participavam da discussão esperaram que dessa feita alguém chamasse o Comissário Político.
Teoria continuou a puxar o camarada Pangu, mas este ainda se mostrava muito nervoso e avesso a retirar-se da discussão. Despeitado, ainda fez uma provocação de humilhação aos oponentes dizendo que, no passado, muitas de sua gente havia sido “varrida” pelos antepassados kikongos e que tanto os Dombos quanto os Nambuangos tinham de pagar impostos ao rei do Congo.
O barulho que se seguiu atraiu o Chefe de Operações, que chegou querendo saber o que se passava. O chefe Kiluanje tomou a palavra para dizer que a culpa era de Pangu-A-Kitina que veio ao ambiente só para insultar. Teoria quis corrigi-lo ao dizer que a discussão havia sido generalizada e que por várias vezes ele mesmo fora impedido de dissuadir os dois grupos.
Kiluanje disse que os seus haviam parado com as ofensas, mas Pangu não quis dar trégua e ainda passou a chamá-los de “escravos dos kikongos”. O Chefe de Operações dispersou o grupo garantindo que mais tarde o Comando iria discutir e resolver o caso.
(...)
De volta ao alojamento, Ekuikui fez comentários sobre as reações do Pangu-A-Kitina. Disse ao Teoria que não tinha certeza se o camarada só quis fazer provocações ou se estava mesmo interessado em brigar com o grupo de Kiluanje... O professor respondeu que o enfermeiro tinha aceitado envolver-se nas polêmicas e se exacerbou por causa do tribalismo. No final das contas os demais se calaram e, pelo visto, as advertências recairiam sobre ele.
Ekuikui não concordou e afirmou que Pangu fizera suas provocações para iniciar um confronto tribal entre os camaradas. Teoria parecia não aceitar que entre os guerrilheiros houvesse quem pensasse daquele modo. O companheiro de alojamento sentenciou que cada um revelava apenas “uma parte pequena” do que carrega no coração... Para ele, todos os que participaram do entrevero tinham culpa... Se alguém iniciou os ataques é porque certamente já havia sido provocado.
(...)
Teoria terminou o dia refletindo sobre a sua participação no episódio. Pensou que em outras situações havia se esquivado por medo. Então calculou que a sua intromissão entre os mais acerbados havia sido uma “vitória particular”.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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