sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – outro relato pessoal de Mundo Novo; o intelectual seguia sua cartilha revolucionária e acreditava que a discussão entre Sem Medo e o Comissário havia sido positiva para o movimento

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/02/mayombe-de-pepetela-o-problema-do.html antes de ler esta postagem:

Lemos nova narrativa pessoal de Mundo Novo, que também repercutiu a ríspida conversa entre o Comissário Político e Sem Medo.
A sua análise é clara ao apontar que a realidade (da organização da luta) só poderia avançar a partir de uma contradição, e essa bem podia ser a oposição que se viu principiar pelo Comissário após o comandante ter esbravejado com o jovem Vewê.
O relato aponta que até então o Comissário Político era como que fantoche de Sem Medo e em tudo buscava imitá-lo. Sua oposição em meio às vistas de todo grupamento o tornou liderança que merecia consideração. O próprio Sem Medo percebeu-se sem ambiente e teve de se retirar para o isolamento. Cada vez mais o tipo se revelava um pequeno-burguês com rasgos anarquistas que conservava “boa dose de anticomunismo, o qual se revelava pela recusa do proletariado”. Via-se mesmo que era contrário à democracia entre os combatentes e suas crises pessoais podiam resultar em “tirania irracional”.
Para Mundo Novo, em síntese, Sem Medo mostrava-se como quem defende a luta, a revolta... Todavia em seu interior guardava o autoritarismo que não suporta a contradição.
No episódio que envolveu o jovem Vewê, o Comissário havia se mostrado equilibrado e bem embasado em sua formação ideológica, favorável à “linha de massas”. A esperança (de Mundo Novo; vê-se isso na produção textual) era a de que o Comando fosse alterado graças à crise que se instalara.
Ainda de acordo com o relato, Mundo Novo considerava que o Chefe de Operações estava repleto de razão quando afirmava que a postura autoritária de Sem Medo levava o Comando a muitos erros. Era de se esperar que o Comissário Político e o Chefe de Operações se tornassem aliados e passassem a agir contra o “niilismo pequeno-burguês” de Sem Medo.
Essas divisões no meio das lideranças eram, portanto, bem-vindas porque se tratam de uma “necessidade histórica”... Vemos que Mundo Novo seguia sua cartilha de militante. Na sequência, ele relatou que procurou saber do próprio Vewê o que havia se passado... Ficou claro que o comandante entendera que o rapaz era de “personalidade superior” quando ousou uma aproximação bem informal. Mas (como devemos saber) a atitude de Vewê tinha a ver com uma aposta entre os colegas. Ao saber da brincadeira, Sem Medo reagiu de modo ofensivo porque colocou sua subjetividade acima de tudo o que realmente deve contar no movimento guerrilheiro. Seria correto depositar a confiança em um líder como este?
(...)
Mundo Novo fez questão de apontar a sua opinião como se estivesse prestando um depoimento histórico. A resposta para a questão anteriormente levantada é “não”, pois só mesmo as massas populares podem dirigir a Revolução. As massas! E não um “intelectual que, à força de arriscar a vida por razões subjetivas, subiu a comandante”!

(...)

No dia seguinte, Sem Medo revelava uma aparência amuada.
Permaneceu na casa do comando e sequer chamou os jovens guerrilheiros para os exercícios físicos. Sua irritação aumentou conforme o horário do almoço se aproximava. Nenhuma visita de carregadores de Dolisie aconteceu à Base. Era mais do que certo que faltaria comida e mais uma vez todos deveriam recorrer às “comunas assadas” para não morrerem de fome.
Percebendo a inquietação do outro, o Comissário Político comentou que o André o havia travado naquela situação. Podemos calcular o quanto ele devia estar angustiado por ter retornado à Base com a promessa de que receberiam provisões. Certamente entendia que os demais o culpavam pela precariedade que vinha sendo provocada pelo chefe do escritório político em Dolisie.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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