terça-feira, 26 de janeiro de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – mais sobre a corrupção de Fernão de Melo e os ataques ao rei do Congo; atuação de Rui do Rego e o ataque à missão de Simão da Silveira; portugueses interesseiros tentaram nomeações no Congo ludibriando o manicongo; a perseguição a Álvaro Lopes impetrada pelos seguidores de Fernão de Melo; denúncias na carta de 1514 e sugestão de cessão de São Tomé como forma de compensar o reino do Congo pelas roubalheiras do governador da ilha


Os padres e auxiliares que D. Afonso do Congo solicitou a D. Manuel de Portugal em 1508 foram transportados para a África sob a responsabilidade de Simão da Silveira (que assumiria importante cargo no reino do Congo a partir do estabelecimento do Regimento criado em Portugal; Silveira é também referido nos documentos como Simão da Silva, e sobre isso há certa polêmica). A delegação fez parada em São Tomé, onde foi barrada por Fernão de Melo e este, recorrendo a intrigas e mentiras, deu início às trambicagens. O padre Antonio de Lourenço Farinha registrou em sua obra “D. Afonso I, rei do Congo”:

                   “Depois do desembarque em Pinda, foz do Zaire, encontrou Simão da Silva outro inimigo de D. Afonso, um pseudo mestre-escola da capital do Congo, Rui do Rego, agente comercial de Fernão de Melo, em vez de educador, que o informou acerca das coisas do Congo tão falsamente como o governador de São Tomé, seu patrão. Havia o propósito de inutilizar não apenas o rei africano, que tantas esperanças dava, mas a obra grandiosa de D. Manuel, bem expressa no Regimento a que temos aludido. É que, posta em execução, a feitoria de Fernão de Melo existente em São Salvador tinha os seus dias contados”.

Lourenço de Farinha conclui:

                   “tais foram as trapaças de Rui do Rego que Simão da Silva teve a indesculpável fraqueza de mandar o médico (físico) à capital conguesa com as cartas régias e presentes, em vez de ir ele próprio como ordenara El-Rei, mas D. Afonso tanto insistiu por essas cartas que resolveu (Simão da Silva) pôr-se em marcha para a banza (povoado) do rei. Na viagem, porém, morreu de febres palustres, levando alguns de seus companheiros a notícia da morte a D. Afonso ‘todos a mata-cavalos (com a maior rapidez) a pedir a capitania da cidade de São Salvador”.

Os portugueses que viviam nas proximidades muito se interessaram por cargos que se constituiriam a partir do Regimento criado por D. Manuel. Os papéis que ficaram retidos em São Tomé não deixavam dúvidas a este respeito. Assim que se espalhou a notícia da morte de Simão da Silveira, vários de seus conterrâneos resolveram disputar os postos que poderiam render prestígio e renda consideráveis.
D. Afonso do Congo registrou em sua carta ao rei português:

                   “vieram todos a mata-cavalos pedir-nos a capitania (de São Salvador) e os primeiros que a nós chegaram foi um Manuel Cão que nos disse que Sua Alteza o mandara a ele e Simão da Silveira para ambos serem capitães e se algum deles morresse que ficasse o outro, e que pois Deus levara Simão da Silveira que o fizéssemos capitão”.

De qualquer modo, a decisão sobre quem deveria ser investido como capitão cabia a D. Afonso, que demonstrou certa habilidade ao não confrontar diretamente os postulantes. Em vez disso, escolheu certo Álvaro Lopes, “um cavaleiro da confiança de D. Manuel” que já havia sido “armado no campo de luta em Tanger em 1508” pelo próprio rei de Portugal. Evidentemente essa decisão deixou Fernão de Melo e seus fiéis seguidores furiosos.
(...)
Em sua carta de 1514 ao rei de Portugal, D. Afonso do Congo relatou a ousada e cruel perseguição dos agregados do governador de São Tomé contra Álvaro Lopes numa ocasião em que ele marcara audiência para pedir “mantimentos para as peças que tinha na feitoria”:

                   “veio o corregedor por detrás e na metade de nossas barbas (ante nossos olhos) o tomou pelos cabelos e o arrepelou e deu muitos coices, o que muito sentimos porque aquilo não era feito a ninguém senão a nós”.

A postura ignominiosa do referido desembargador estava de acordo com as estratégias de Fernão de Melo... Na mesma carta de 1514, D. Afonso do Congo denunciou que o governador de São Tomé se apropriara de “todos os cavalos que a nós Sua Alteza mandou”. Além disso, impedia que o “livro das Ordenações” encaminhado pelo rei português sob a responsabilidade de Simão da Silveira chegasse às suas mãos. E como se não bastasse, o governador corrupto impossibilitava a partida do filho do rei do Congo para Portugal, pois sabia que ele denunciaria suas “arbitrariedades e roubalheiras” ao rei D. Manuel.
Vale destacar que na mesma carta, D. Afonso do Congo sugeriu ao rei português que cedesse a ilha de São Tomé ao Congo como forma de ressarcir os muitos furtos. Obviamente isso era “sonhar alto” e nem o seu propósito de cristianizar a localidade seria levado a sério.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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