sexta-feira, 30 de maio de 2014

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – ainda as discussões de Nadine e Lambert; Volange ou Perron como parâmetro?; diferentes “modos de ser” e Lambert insiste que a hipocrisia prevalece na ética de Nadine; para ela, o rapaz não passa de um frustrado; nada falta na noite das férias de junho, Anne lamenta o desentendimento do jovem casal e sofre com a distância em relação ao amado Lewis

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_29.html antes de ler esta postagem:

Ao falarem sobre Volange, Lambert e Nadine acabaram envolvendo o nome de Henri na discussão... O moço mostrava que preferia lidar com o tipo que cometera erros no passado em vez de assumir compromissos com Perron que, em sua opinião, amarguraria o erro de vacilar em relação às denúncias sobre os campos soviéticos... Nadine respondeu que não via em Henri a imagem de um herói, mas o considerava um “tipo limpo”... Disse isso e elogiou a peça que ele havia escrito. Lambert aproveitou para falar mal do texto que, em sua opinião, era detestável e irrelevante... O moço finalizou argumentando que “os mortos deviam permanecer sossegados” e não podiam ser usados para “exacerbar o ódio entre os franceses”...
Os dois não entrariam em acordo... Sobretudo porque a discussão se encaminhou para os temas do perdão aos inimigos e crimes do passado... Ela teimava em não admitir o esquecimento nem a condescendência... Ele não admitia condenações sem se levar em conta as apelações dos réus.
Lambert disse ainda que confiava no potencial de Volange para os grandes projetos. Nadine respondeu que qualquer resultado de uma associação com aquele conservador não passaria de “mero jornaleco” que, além do mais, nem pertenceria a Lambert... Ele perguntou se ela acreditava que o futuro lhe reservava alguma grande realização.
Nadine achava aquela conversa uma maçada e disse que não tinha o menor interesse de saber... Tudo tinha de acabar em grandeza? Em tom de lamentação, Lambert concluiu que ela esperava apenas que ele fosse um moço bonzinho, obediente e submisso aos seus caprichos... Nadine respondeu que nada esperava da relação e que o aceitava como ele era... O rapaz quis que ela manifestasse o que conhecia a seu respeito... A namorada respondeu que ele sabia fazer uma boa maionese e que pilotava motocicleta.
Brincaram sobre esses e outros “talentos” de Lambert... Isso foi como que uma reconciliação... A noite avançava e seguiram para o quarto.
(...)
O jardim ficou deserto e de lá só se ouviam as cigarras... Anne conferiu a beleza da noite... Viu que o céu estava repleto de estrelas, “nada faltava em parte alguma”... Era o tipo de momento em que a tristeza pesava-lhe mais.
Outras duas cartas foram enviadas por Lewis... Elas eram mais densas do que a primeira e transmitiam todo o seu pesar provocado pela distância... Nada os aproximava.
Por um instante, Anne voltou a pensar em Nadine e Lambert... Os jovens estavam próximos, mas eram incapazes de permitir que o amor prevalecesse e promovesse a felicidade que é tão almejada por toda gente.
(...)
Lambert e Nadine decidiram que passariam 24 horas em Paris... À tarde o rapaz apareceu engravatado em seu terno de flanela... Mas Nadine permanecia deitada sobre a grama, trajava uma saia enfeitada de flores, um blusão e sandálias rústicas. Ele insistiu que ela deveria se arrumar, pois perderiam a condução... Ela protestou dizendo que havia afirmado que pretendia que fossem de motocicleta.
É claro que a incompatibilidade estava escancarada.
Nadine insistiu que não trocaria de roupa... Procurando atrair Anne para o seu lado na discussão, Lambert deixou claro que nenhum dos dois estava com trajes adequados para a viagem de motocicleta, e lamentou que ela fosse tão teimosa, pois se deixasse o seu estilo anarquista poderia ter uma aparência melhor... É claro que a moça se irritou e gritou que se ele desejasse a companhia de uma mulher que se cuidasse mais deveria procurar em outras paragens.
O rapaz continuou em tom conciliador. Disse que, se ela se vestisse melhor, poderiam frequentar ambientes mais românticos ou para dançar... Nadine deixava claro que, além de não ter interesse de abandonar o seu “estilo selvagem”, o outro perdia o seu tempo ao insistir com aquela conversa.
Lambert falou que no fundo todas as pessoas apreciam (e querem para si) tudo o que é refinado (móveis, roupas, diversão e luxo)... Como Nadine sustentasse sua condição de a tudo aquilo rejeitar, o moço concluiu que havia muito de hipocrisia em suas palavras... Ela mesma havia feito a viagem com Perron! Então suas palavras naquele momento não seriam um renegar-se? Então não se poderia nunca manifestar as emoções? Nunca se tem vontades? Para ele, as pessoas buscam o êxito, admiram o triunfo e não desprezam o dinheiro... Até porque o mundo não oferece outras possibilidades.
Nadine respondeu que ele deveria falar por si. Ele lembrou que no ano anterior ela estava “orgulhosa de possuir um casaco de pele” e que alimentava o desejo de realizar viagens pelo mundo afora... Em síntese, aquelas intenções em nada se diferenciavam das que milionárias almejam. Sem esconder a raiva que cresceu em seu peito, Nadine disse que ele é quem vivia a temer o que era de fato, um “intelectual burguês” limitado às pequenas realizações e ávido pelo “êxito social”.
O nervosismo tomou conta dele também e, antes de se retirar, Lambert disse que Nadine merecia “uma boa bofetada”.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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