Ao falarem sobre Volange, Lambert e Nadine acabaram envolvendo o nome de Henri na discussão... O moço mostrava que preferia lidar com o tipo que cometera erros no passado em vez de assumir compromissos com Perron que, em sua opinião, amarguraria o erro de vacilar em relação às denúncias sobre os campos soviéticos... Nadine respondeu que não via em Henri a imagem de um herói, mas o considerava um “tipo limpo”... Disse isso e elogiou a peça que ele havia escrito. Lambert aproveitou para falar mal do texto que, em sua opinião, era detestável e irrelevante... O moço finalizou argumentando que “os mortos deviam permanecer sossegados” e não podiam ser usados para “exacerbar o ódio entre os franceses”...
Os dois não entrariam em acordo... Sobretudo porque a discussão se encaminhou para os temas do perdão aos inimigos e crimes do passado... Ela teimava em não admitir o esquecimento nem a condescendência... Ele não admitia condenações sem se levar em conta as apelações dos réus.
Lambert disse ainda que confiava no potencial de Volange para os grandes projetos. Nadine respondeu que qualquer resultado de uma associação com aquele conservador não passaria de “mero jornaleco” que, além do mais, nem pertenceria a Lambert... Ele perguntou se ela acreditava que o futuro lhe reservava alguma grande realização.
Nadine achava aquela conversa uma maçada e disse que não tinha o menor interesse de saber... Tudo tinha de acabar em grandeza? Em tom de lamentação, Lambert concluiu que ela esperava apenas que ele fosse um moço bonzinho, obediente e submisso aos seus caprichos... Nadine respondeu que nada esperava da relação e que o aceitava como ele era... O rapaz quis que ela manifestasse o que conhecia a seu respeito... A namorada respondeu que ele sabia fazer uma boa maionese e que pilotava motocicleta.
Brincaram sobre esses e outros “talentos” de Lambert... Isso foi como que uma reconciliação... A noite avançava e seguiram para o quarto.
(...)
O jardim ficou deserto e de lá só se ouviam as
cigarras... Anne conferiu a beleza da noite... Viu que o céu estava repleto de
estrelas, “nada faltava em parte alguma”... Era o tipo de momento em que a
tristeza pesava-lhe mais.
Outras duas cartas foram enviadas por Lewis... Elas eram mais densas do
que a primeira e transmitiam todo o seu pesar provocado pela distância... Nada
os aproximava.
Por um instante, Anne voltou a pensar em Nadine e Lambert... Os jovens
estavam próximos, mas eram incapazes de permitir que o amor prevalecesse e
promovesse a felicidade que é tão almejada por toda gente.
(...)
Lambert e Nadine decidiram que passariam 24 horas em Paris... À tarde o
rapaz apareceu engravatado em seu terno de flanela... Mas Nadine permanecia
deitada sobre a grama, trajava uma saia enfeitada de flores, um blusão e
sandálias rústicas. Ele insistiu que ela deveria se arrumar, pois perderiam a
condução... Ela protestou dizendo que havia afirmado que pretendia que fossem
de motocicleta.
É claro que a incompatibilidade estava escancarada.
Nadine insistiu que não trocaria de roupa...
Procurando atrair Anne para o seu lado na discussão, Lambert deixou claro que
nenhum dos dois estava com trajes adequados para a viagem de motocicleta, e lamentou
que ela fosse tão teimosa, pois se deixasse o seu estilo anarquista poderia ter
uma aparência melhor... É claro que a moça se irritou e gritou que se ele
desejasse a companhia de uma mulher que se cuidasse mais deveria procurar em
outras paragens.
O rapaz continuou em
tom conciliador. Disse que, se ela se vestisse melhor, poderiam frequentar ambientes
mais românticos ou para dançar... Nadine deixava claro que, além de não ter
interesse de abandonar o seu “estilo selvagem”, o outro perdia o seu tempo ao
insistir com aquela conversa.
Lambert falou que no fundo todas as pessoas apreciam (e querem para si)
tudo o que é refinado (móveis, roupas, diversão e luxo)... Como Nadine
sustentasse sua condição de a tudo aquilo rejeitar, o moço concluiu que havia
muito de hipocrisia em suas palavras... Ela mesma havia feito a viagem com
Perron! Então suas palavras naquele momento não seriam um renegar-se? Então não
se poderia nunca manifestar as emoções? Nunca se tem vontades? Para ele, as
pessoas buscam o êxito, admiram o triunfo e não desprezam o dinheiro... Até
porque o mundo não oferece outras possibilidades.
Nadine respondeu que ele deveria falar por si. Ele
lembrou que no ano anterior ela estava “orgulhosa de possuir um casaco de pele”
e que alimentava o desejo de realizar viagens pelo mundo afora... Em síntese, aquelas
intenções em nada se diferenciavam das que milionárias almejam. Sem esconder a
raiva que cresceu em seu peito, Nadine disse que ele é quem vivia a temer o que
era de fato, um “intelectual burguês” limitado às pequenas realizações e ávido
pelo “êxito social”.
O nervosismo tomou conta dele também e, antes de
se retirar, Lambert disse que Nadine merecia “uma boa bofetada”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com/2014/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-anne.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto