Paule não suportou a humilhação que sofreu na mansão de Lucie Belhomme... A aparição triunfal de Josette foi demais para ela. Anne soube tirá-la do ambiente nefasto e as duas foram discretas nas apressadas despedidas.
Enquanto o ônibus fazia o itinerário na volta para casa, Paule não encontrava palavras de agradecimento à amiga. Disse que ela podia ter lhe alertado anteriormente sobre o “mau caminho” que trilhava, mas Anne garantiu que não pensava assim...
Não era exatamente o fato de ter se isolado por causa de seu devotamento a Henri... Paule sabia que Anne via isso com reservas... A moça assumia suas limitações e o fato de ser passada para trás e humilhada pelas pessoas constantemente. É por isso que garantia que jamais se esqueceria da cumplicidade da amiga no evento em que foi convidada apenas para ser vilipendiada.
(...)
Anne retornou para Saint-Martin.
Nadine voltou de Paris só depois de uma semana.
Perguntada a respeito de Lambert e sua investigação na Alemanha, a garota disse
apenas que ele enviou-lhe carta garantindo que retornaria em breve... Emendou
que certamente brigariam novamente porque ela faria questão de anunciar-lhe que,
durante a sua ausência, estivera com Joly em Paris e que curtiram aventuras
amorosas. Anne pediu-lhe que não falasse a esse respeito com o moço, mas Nadine
deu de ombros e garantiu que a própria mãe havia lhe ensinado a ser franca e
verdadeira como devem ser as pessoas decentes...
Anne a corrigiu e disse que defendia que as pessoas deveriam estabelecer
relações em que a mentira não fosse concebível, todavia reconhecia que a
relação entre ambos ainda não atingira essa maturidade... Isso à parte, ela
tinha certeza de que a filha estava “fabricando” aquela história de traição
para maltratar os sentimentos de Lambert.
Sem assumir claramente se estava blefando ou não,
Nadine deixou claro que tinha Lambert nas mãos e que ele fazia tudo o que ela
desejava... Entendia o rapaz como uma “comédia” porque ele não conseguia admitir
que, no fundo, outras pessoas e coisas eram-lhe mais importantes do que ela (o pai, Henri, o jornal, as
reportagens...).
Anne sabia que o despeito da filha se devia à viagem
que ele fez sem que levasse em consideração as suas ponderações, e advertiu que
estava claro que Nadine ainda não tinha percebido que Lambert a queria acima de
tudo. Mas a moça respondeu que não estava certa disso porque ele nunca lhe
havia declarado nenhum devotamento.
A garota acreditava que compreendia tudo o que precisava a respeito de
seu relacionamento com Lambert... Os dois conversavam muito sobre diversas
coisas... Talvez por isso mesmo não conseguissem um momento especial para uma
declaração mais significativa a respeito de suas intenções um com o outro.
Nadine não dava conta dessa situação... Anne, de sua parte, queria convencê-la
de que a revelação da aventura com Joly resultaria em “horrível aflição” para
Lambert, e em “desgaste terrível” para a relação de ambos.
Nadine riu a valer... Esclareceu que nada falaria a Lambert e que achava
engraçado que Anne a aconselhava a mentir (então insinuava que a aventura com
Joly havia sido real).
(...)
Dois dias se passaram e Lambert retornou... Pouco disse sobre a
investigação, já que teria de voltar a campo futuramente (setembro)...
(...)
Tudo indicava que o casal havia se reconciliado, pois passavam várias
horas juntos sob o calor do sol... Liam, passeavam e trocavam carícias e várias
ideias... Eventualmente, Lambert saia sozinho pelas estradas com a motocicleta.
Isso irritava Nadine, que manifestava o desejo de também pilotar a máquina...
Seu desejo era fazer o mesmo, porém ele e Anne
se opunham e as discussões ocorriam...
É claro que havia a
preocupação com o perigo desnecessário a que ela se submeteria por conta do
capricho. Então a moça passou a demonstrar zelo pelo equipamento, pintou o para-lama
e enfeitou a motocicleta com vários penduricalhos...
Anne entendia que a filha não conseguia esconder a sua inveja, pois a
motocicleta era o objeto que, de certa forma, garantia ao namorado certa liberdade
e superioridade em relação a ela.
(...)
Numa noite, Nadine e Lambert iniciaram nova
discussão no jardim... Anne pôde depreender que o rapaz havia lhe revelado que
tinha sido convidado por Volange para dirigir sozinho um jornal... Nadine
esbravejou garantindo que ele não desconfiava que, na verdade, seria usado como
testa-de-ferro por aquele tipo conservador.
A irritação de Nadine era injustificada? Certamente não.
Postagens anteriores (http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/11/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_14.html, http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/11/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_15.html, além de várias outras) nos recordam que havia divergências
entre os camaradas de Nadine (também de Henri) e Louis Volange... Devemos saber
que já fazia algum tempo que este tipo vinha tentando atrair Lambert para os
seus projetos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_30.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto