Perceberemos que a volta de Anne a Paris coincide com os episódios já narrados por aqui (críticas dos comunistas em L’Enclume a Dubreuilh; morte do pai de Lambert; affair de Henri com Josette; o dossiê Peltov...).
(...)
Dezoito horas de voo... Anne chegou a Paris e era como se tivesse
passado de um mundo para outro completamente diverso.
Seus pensamentos a levavam para os últimos
momentos com Brogan e à perfumada flor da despedida... Foi de repente que se
deparou com Robert e seu braço amigo disposto a conduzi-la...
Trocaram sorrisos e caminharam. O passado
recente se petrificara e devia ficar para trás.
É claro que Anne trocou cartas com o marido enquanto
esteve na América... Paris, familiares e amigos pertenciam ao seu “mundo real”.
Era a ele que retornava. Então tudo se lhe apresentava como havia deixado...
E o que via enquanto caminhava? Vendedores ambulantes
e seus artigos preciosos (aspargos e junquilho típico da primavera), mulheres e
sua vestimenta empobrecida, veículos velhos e capengas...
A mesma austeridade do pós-guerra...
O seu interlocutor despejava frases sobre ela, que notava os seus ares
de preocupação... “Não havia dúvida”, Anne retornara para casa.
(...)
Os Dubreuilh seguiram até Saint-Martin que, como
sabemos, era o local onde o casal estabelecera um ambiente para descansos
retirados da agitação da capital... Uma certeza tomou conta de Anne, Robert
andava amargurado devido ao artigo de L’Enclume
(detalhes em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_2.html)
que o criticava duramente... Ela não concordava com a posição adotada pelos
comunistas, pois considerava inclusive que o marido havia feito várias
concessões a eles... Não, definitivamente não via em Robert um tipo
identificado apenas com as posições do passado...
Conversaram a respeito desse assunto... Dubreuilh se mostrou desgastado
e até admitiu que, de fato, estava envelhecido.
(...)
Anne concluiu que o SRL não
tinha o que fazer até as eleições... O MRP estava eufórico (De Gaulle estava
agitado e convicto de que o Movimento Republicano Popular não poderia contar
com as fileiras comunistas, pois, em sua opinião o PC francês era simplesmente
um braço de Moscou, e a seu serviço, na conquista da Europa)... O “partido
americano” mantinha-se firme (atraindo muitos católicos) e ávido pela aventura
política...
A intenção de Robert era reagrupar a esquerda sem prejudicar os
comunistas... Mas eles permaneciam sectários...
(...)
Os dois primeiros dias após o retorno de Anne foram de desabafos de
Robert a respeito de suas diferenças em relação ao PC... Ao ouvir o marido, ela
percebia o “seu lugar” e em quê era importante para ele.
No entanto, ainda que estivesse gozando de plena
saúde e pudesse percorrer a calma e florida floresta, sabia que não estava em
paz consigo mesma... Não foram poucas vezes em que parou durante as caminhadas
para pensar em Lewis... Nessas ocasiões sentia-se estremecer e “tinha vontade
de gemer”.
As madrugadas tornaram-se pesadas demais para
ela... Na escuridão sentia que abrigava a respiração, a voz e o sorriso do
amado sobre o qual não podia falar...
Sua amargura
aumentava na medida em que refletia que provavelmente não o amava devidamente
nem suficientemente... Ao menos conseguiria retomar a sua vida... Estava de volta
a Robert... Mas também se perguntava se o merecia, já que não sabia se o amava
como devia...
(...)
O seu conflito incluía essas reflexões... Sim, porque mesmo estando ao
lado do marido tinha vontade de chorar pelo americano... Afinal, seria o “amor
físico”, o de Lewis, o que valia? Então “um amor que não é físico nada
representa”?
A verdade é que o fato de ter conhecido Lewis
não diminuía o seu interesse em viver junto a Robert... Todavia, estar junto ao
marido, “não supria a ausência do outro”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_22.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto