Meia-noite... Anne caminhava em direção ao hotel.
Aconteceu que entrou numa loja de artigos de higiene e decidiu telefonar naquele instante mesmo para Chicago. Do outro lado da linha pareceu que Lewis Brogan não entendeu de imediato. Anne repetiu o próprio nome e então obteve respostas positivas... Sim, ele estava ouvindo bem. Cumprimentou-a efusivamente, demonstrando contentamento. Anne quis saber se seria conveniente passar uns três ou quatro dias em Chicago, pois gostaria de vê-lo... Ele respondeu que o inverno havia terminado, o clima estava muito bom e que, de sua parte, senhor de seu próprio tempo que era, estaria totalmente à disposição dela.
Anne se surpreendeu com a reação positiva de Brogan... Principalmente porque sua primeira investida (o jovem Philipp) havia sido mal correspondida. Sem maiores delongas, ela disse que pegaria o primeiro avião e esperava que o amigo reservasse um quarto em hotel simples, pois ele bem sabia de sua aversão pelos hotéis chiques... O escritor garantiu que a esperaria no aeroporto... Depois de breve silêncio, disse que estava muito feliz por recebê-la novamente. A francesa confirmou que também estava feliz.
(...)
Como
podemos notar, a estadia de Anne e suas aventuras nos Estados Unidos não eram
incomodadas por lembranças de Robert, Nadine, Henri, SRL, L’Espoir ou as discussões políticas de Paris.
(...)
Feliz,
Anne calculou que o fato de o encontro com Philipp não ter vingado acabou sendo
muito positivo. Considerou que a viagem a Chicago e a companhia de Brogan lhe
fariam muito bem. Por um instante ficou imaginando o que ocorreria... Passariam
algum tempo em um bar, depois iriam à casa dele, onde se sentariam sobre a
coberta mexicana para ouvir alguns discos franceses (interpretações de Charles
Trenet...), dançariam e permaneceriam juntos.
(...)
Aconteceu,
porém, que a chegada em Chicago não ocorreu conforme ela esperava. O saguão
estava esvaziado. Por um instante, Anne considerou-se completamente
desamparada... Sem ter o que fazer, restou observar o movimento dos ponteiros
do relógio e pensar sobre as possibilidades... De qualquer forma, em breve,
tudo se encerraria e aquela aventura seria esquecida.
Cabisbaixa,
procurava pelo número do telefone de Brogan em sua bolsa quando, de repente,
ele apareceu todo sorridente à sua frente como se fosse um fantasma... Sempre a
sorrir, ele a cumprimentou com um surpreendente beijo em seus lábios... Anne
procurou não se desconcertar e também sorriu. Na sequência limpou, com a ponta
de seu lenço, o queixo sujo de batom do outro... Emendou que o aguardava desde
as nove horas.
Sempre
em francês, Brogan esclareceu que lhe comunicaram que o primeiro voo
aterrissaria apenas as dez... Como eram 9:25, disse que estava bem adiantado...
Enfim estavam ali, um ao lado do outro... Anne notou que, para agradá-la, ele
estava bem trajado com o terno de flanela e uma camisa bem escolhida.
Precisavam
dar os passos que os levariam para fora do aeroporto e passear por Chicago... O
anfitrião sugeriu uma visita ao zoológico, mas Anne refutou imediatamente e
disse que preferia um ambiente sossegado, onde pudessem conversar e olhar um ao
outro, tomar um café e comer um sanduíche.
(...)
O
carro que os transportava ao centro era confortável... Brogan levava a bolsa de
viagem de Anne, mas seguia mais quieto... Ela refletiu sobre o tempo de sua
permanência (uns quatro dias) e o considerou demasiado por ter de conviver com
um tipo estranho como aquele escritor com o qual convivera por somente uma
tarde, porém, curto pra que pudessem se conhecer melhor.
Anne esperava que passassem no hotel onde ele
teria reservado um quarto... Ao ser questionado a esse respeito, Brogan apenas
sorriu e disse que deixariam a bolsa no depósito de bagagem... Enquanto ele
cuidava desse expediente, Anne tentava imaginar a trama dele para a noite que
passariam juntos em seu quarto... Ele, porém, nada dizia a respeito.
Como que tentando
descobrir algo, ela explicou que devia telefonar ao hotel, pois estava muito
cansada, pretendia tomar um banho após o almoço e cochilar um pouco... Brogan
explicou que não estava fácil encontrar um quarto vago na cidade. Anne
protestou e disse que havia explicado tudo por telefone. Mas ele respondeu que
não conseguiu entender direito porque o inglês dela não era muito claro e, além
disso, ela falava muito rápido...
Falavam sobre isso, mas ele não revelava o que
havia reservado para ela... Chegaram a um bar que parecia “de estação”... Ele ofereceu
uísque e cigarro... Ela aceitou.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_9360.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto