quarta-feira, 14 de maio de 2014

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – o dia seguinte; passeio e repouso no gramado; satisfação em simplesmente ser o que se é; poema e anel; certeza de ao fim do dia habitar o mesmo quarto e companhia da noite anterior; na chegada ao “Delissa”, a lembrança de uma existência atrelada a outras pessoas e lugares

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-no.html antes de ler esta postagem:

A noite que Anne esperava passar junto a Lewis Brogan enfim aconteceu... Como ainda veremos, ela se repetiu e não se resumiu apenas ao tempo que ela havia reservado para a aventura (quatro dias).
(...)
Na manhã do segundo dia, Anne amanheceu respirando um delicioso aroma de café... O amigo havia preparado um belo breakfast... Era um domingo ensolarado e a francesa sentia-se como que ressuscitada.
Depois seguiram para um gramado, onde permaneceram sentados a observar o entorno... Crianças brincavam, casais de namorados passeavam e escolhiam paragens acolhedoras; ao longe os iates levavam os sortudos proprietários e amigos para águas mais afastadas... No alto viam-se aviõezinhos de várias cores cortando os ares e animando o lazer de todos.
Esse quadro nos leva a pensar que a calmaria do ambiente tivesse invadido o coração de Anne... E é isso mesmo... E para completar, Brogan disse-lhe que havia escrito um poema especialmente para ela quando estiveram juntos pela primeira vez, dois meses antes desses episódios... Enquanto lia o singelo papel que ele lhe entregou, Anne o imaginava a escrever “junto à janela, sob a reprodução de Van Gogh”... Imaginou que, enquanto escrevia ternamente, o amigo a tivesse pensado como uma preciosidade casta. Algo que, desde a última noite, havia se alterado completamente.
Anne não conseguiu esconder que estava refletindo... Não entrou em detalhes a esse respeito, então Brogan perguntou se não deveria mostrar-lhe os rabiscos. Ela respondeu que gostou do que leu, e que naquele momento seus lábios lhe pertenciam... Lewis estava satisfeito porque, enfim, via que tudo ocorrera bem entre os dois...
(...)
No verde gramado, enquanto eram agraciados com os raios que os aqueciam, Brogan acariciava a amada, que pensava o quanto havia sido reservada com ele na primeira vez em que estiveram juntos... Permaneceram um bom tempo ali, e nada se cobravam... O fato de se sentir desejada fazia com que Anne se transformasse “em uma perfeita maravilha”... O amado deslizava um anel de cobre em seu dedo enquanto dizia “palavras insólitas”. A ele bastava que Anne fosse exatamente o que era.
(...)
Entardeceu... Brogan disse que ela poderia apanhar um resfriado, então o melhor que tinham a fazer era caminhar um pouco.
O dia se foi... Anne o tinha percebido como uma “ausência”. A noite e as carícias do amado a aguardavam, mas antes deveriam jantar.
Por hora, basta sabermos que ele perguntou se ela não se importaria em comer em casa, Anne demonstrou que gostaria de ir a algum lugar e falou do clube negro sugerido por Big Billy. Embora Brogan tenha dito que o “Delissa” se localizasse distante dali, ela garantiu que seria bom passear...
Temos de considerar que o final do dia já estava selado... De certa forma, o confinamento a sufocava. Anne tinha necessidade de arejar. Durante o trajeto percorrido de bonde, ela tirou um breve cochilo no ombro do amado e não se importou com os traçados das ruas da Chicago que anoitecia.
(...)
Logo na entrada do clube um grande espelho refletiu a imagem do casal... Instintivamente Anne disparou que via ali “um belo casal”... Mas na sequência pensou que, embora, de fato, pudessem formar um par de apaixonados enamorados, jamais o seriam... Talvez em algum lugar, no passado ou futuro, mas não naquele tempo.
É claro, parece que por um instante Anne lembrou-se de que não era tão desimpedida assim... Lembrou-se de que tinha marido, filha, amigos e vida profissional na França.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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