domingo, 4 de maio de 2014

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Anne e Lewis Brogan passeiam pela fria Chicago; o escritor fala de sua experiência com os textos e sobre a condição de alguns conhecidos que viviam de bater carteiras; críticas aos mafiosos

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-anne.html antes de ler esta postagem:
Brogan foi solícito. Aceitou prontamente sair pelas ruas de Chicago com Anne... Para ela, o passeio e a companhia do rapaz eram mais do que a estadia no hotel ou as conversas com as damas e senhores que o pessoal do congresso havia colocado à sua disposição.
(...)
O frio era demasiado, e o próprio Brogan sofria com ele. Explicou que suas orelhas estavam congeladas... Anne levou em consideração que a paisagem contemplada se repetia (ruas parecidas, velhos chalés, terrenos baldios e o “frio por toda parte”), então topou entrarem num bar para se aquecerem regados por alguma bebida... Anne tomou um Bourbon, ele pediu ginger ale.
Saíram do bar, mas o frio parecia ter aumentado... Decidiram entrar em outro e assim puderam se conhecer melhor... Conversaram, e Anne ficou sabendo que o rapaz havia participado da campanha em Ardennes logo depois do desembarque... Ele queria saber a respeito de Paris, sobre o tempo de ocupação e as condições dos franceses durante a guerra. Para Anne, Brogan parecia disposto a falar, mas se mostrava confuso ao tratar de si.
Os trechos selecionados de Beauvoir nos dão uma noção exata do personagem:

Brogan era um tipo nascido “ao sul de Chicago, filho de um pequeno merceeiro de origem finlandesa e de uma judia húngara. Tinha vinte e sete anos na época da grande crise (1929) e havia vagabundeado através da América, escondido em camionetas de mercadorias, alternando-se como vendedor ambulante, mergulhador, servente, ferreiro, removedor de terras, pedreiro, vendedor e, em caso de necessidade, ladrão. Num lugar de muda de cavalos, perdido no Arizona, onde era lavador de copos, havia escrito uma novela, que uma revista de esquerda publicou. Então, escreveu outras. Desde a aceitação do seu primeiro romance, um editor lhe dava uma pensão, que lhe permitia viver”.

Anne demonstrou interesse em ler o romance do jovem americano que acabara de conhecer...
Brogan garantiu que o próximo seria melhor, mas ela argumentou que o do relato já estava escrito e, de fato, despertava mais curiosidade por ter sido o primeiro de sua carreira intelectual... O rapaz dirigiu-se a um telefone e, no mesmo instante, garantiu que naquela mesma tarde Anne teria um exemplar em seu hotel... Ela agradeceu demonstrando sinceridade.
A dedicação do outro fez Anne admirá-lo... Ela já vinha notando que ele se tratava mesmo de um tipo digno de admiração. Um escritor americano esquerdista que se fez por si mesmo... Brogan era modesto e ávido ao mesmo tempo, não se prendia à vida, mas vivia com intensidade.
A francesa quis saber de onde vinha o seu desejo e habilidade de escrever... O rapaz explicou que desde pequeno já brincava com palavras, figuras que recortava e letras de forma. É claro que Anne queria outra explicação, então ele esclareceu que escrevia sobre os tipos diferentes que conhecia... Escrevia de modo a que as pessoas conhecessem os estilos diferentes de vida levados pelos demais... Isso tinha a ver também com a sua decepção em relação às mentiras que todos insistiam em dizer a respeito de si mesmos... Brogan explicou que se cansou de ouvir mentiras, assim, escrever era uma forma de escancarar as verdades sobre os “modos de viver” diferentes do seu.
Anne viu que, assim como Robert e Henri, Brogan gozava certa acomodação... Escrever, falar ao rádio e em meetings protestando contra situações de abuso... De certa forma, intelectuais como ele estavam bem seguros porque conheciam sua condição de impotência no país que emergia como protagonista no pós-guerra.
(...)
Então Anne perguntou se ele possuía amigos que também viviam de escrever livros... O anfitrião disse que alguns mais chegados se encantaram ao vê-lo ganhar dinheiro com a publicação, principalmente porque entenderam que a atividade proporcionava-lhe a confortável condição de não precisar se esforçar demais... Um deles chegou a datilografar umas quinhentas páginas e desembolsou significativa soma para a impressão... A esposa o proibiu de insistir na atividade, restando-lhe voltar a bater carteiras, como muitos de seus conhecidos...
Anne quis saber mais a esse respeito e ele respondeu que em Chicago havia muitos de seus conhecidos que se dedicavam a essa prática para sobreviver...
Mas não, Brogan não se enturmava com mafiosos. E a respeito deles falou muito mal, principalmente de suas relações com políticos e policiais... E sobre como se dedicavam a destruir greves e a organização dos trabalhadores.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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