sexta-feira, 2 de maio de 2014

Considerações sobre “Os caminhos da luxúria”, de Milena Fernandes Maranho para a Revista de História da Biblioteca Nacional, nº 93 – jesuítas e o choque da poligamia indígena; degredados e a adoção dos costumes nativos. Parte I

A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei d. Manuel, além de apresentar as características da paisagem que os portugueses comandados por Pedro Álvares Cabral contemplaram ao chegarem ao Brasil em 1500, descreveu em linhas gerais os indígenas que avistaram. Destacou a nudez dos nativos “dotados de formosos corpos”, e fez referências às ”moças bem feitas”. Ressaltou a perfeição estética de índias de incomparável beleza.
O encanto do escrivão parou por aí... Ele entendia que era a inocência dos nativos que os levava a expor suas “vergonhas”.
Caminha deixava claro que os índios “não eram civilizados”... Sendo assim, deviam ser salvos... Impor a fé católica passou a ser uma das funções da colonização portuguesa na colônia. Como sabemos, os missionários jesuítas se encarregaram dessa tarefa.
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A catequese negava e demonizava os costumes indígenas. Os índios eram considerados inferiores pelos colonizadores e tinham de abandonar os seus “vícios” para se tornarem salvos... Para os religiosos motivados pela contrarreforma, o modo de ser dos nativos estava relacionado ao que havia de pior e, assim sendo, devia ser punido...
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Bem cedo os religiosos perceberam que o trabalho com os indígenas não seria tão simples como lidar com “folhas em branco”. Os padres notaram que costumes como a poligamia eram muito arraigados entre os nativos...
Isso tem uma explicação, pois os chefes solidificavam seu poder através do casamento com várias de suas sobrinhas. Como os jesuítas notaram que entre elas estava sempre a “esposa mais importante”, chegaram a solicitar à Igreja Católica que aprovasse essa união entre parentes, pois tinham esperança de que no futuro os nativos passassem a aceitar a monogamia.
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João Ramalho é o exemplo típico do colono daqueles tempos... Ele deixou a esposa em Portugal... No Brasil, se uniu às filhas do mais importante líder indígena, Tibiriçá. A partir dos relatos do padre Manuel da Nóbrega, podemos constatar que Ramalho seguia um cotidiano tipicamente indígena, andando nu e se relacionando sexualmente com várias índias...
Outros aventureiros também viviam dessa forma.
Não havia como controlar as “relações alternativas” que os colonos estabeleciam com cativas... Evidentemente essa condição era impensável na Europa, onde “regras de civilidade” controlavam os “apetites desenfreados”.
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Os jesuítas refletiram sobre o comportamento de Ramalho e dos demais colonos que não se envergonhavam por viverem como ele... Os padres se escandalizavam com a poligamia descompromissada... Faziam de tudo para mudar a situação dando conselhos e sermões severos.
Mas, mesmo sofrendo ameaças de punições, os colonos continuaram a se misturar com as índias... E era dessa forma que cumpriam a tarefa de “povoar” o território em nome da Coroa. De sua parte, os religiosos prosseguiram se dedicando à catequese e também a “formalizar no matrimônio católico” a maior quantidade de uniões informais que podiam.
Os religiosos pretendiam que a “máxima de São Tomás de Aquino” (sobre “ordenar paixões e coitos a fim de manter um equilíbrio indispensável para a conservação da espécie humana”) predominasse nos hábitos da população.
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Ainda que entre os primeiros habitantes da colônia muitos fossem degredados que haviam sido enviados pela Inquisição para que se “purificassem dos pecados”, o controle sobre suas relações era muito difícil...
Levavam uma existência das mais pecaminosas, e evidentemente isso não era admitido pelos missionários, que notavam uma grande contradição.
É que os degredados haviam se livrado da pena de morte (pois haviam sido condenados ao degredo) e participavam daquilo que, para os padres, se tratava de um “programa de salvação das almas”... Mas, uma vez distanciados, em vez de iniciarem uma vida cristã, experimentavam um “paraíso de libertinagens”.
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Essa situação era problemática, e para as autoridades ainda ficava o risco de, eventualmente, o condenado difundir suas ideias heréticas por aqui. Daí as visitações da Inquisição.Ao tempo da “Primeira Visitação do Santo Ofício ao Brasil” (1591-1595) muitos degredados foram inquiridos, e entre eles havia vários que viviam amancebados com índias.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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