sábado, 3 de maio de 2014

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Anne nos Estados Unidos; o congresso, um sucesso; desapontamento em relação aos hotéis e às companhias excessivamente formais; escapada ao subúrbio de Chicago e encontro com Lewis Brogan

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_12.html antes de ler esta postagem:

Como devemos saber, Anne deixou a França e seguiu para os Estados Unidos.
Tudo a encantava. O Congresso era um sucesso e sentia-se como um aprendiz diante de tantas novidades apresentadas pelos colegas psicanalistas americanos.
O giro pelo país a tornou ainda mais curiosa. Podemos dizer que ela gostaria de experimentar mais das cidades por onde passou (Nova York, Chicago, Saint Louis, Nova Orleans, Filadélfia, Boston, Montreal...). As instalações eram as melhores possíveis, e os mais chegados ofereciam oportunidades para que ela se instalasse na casa de médicos, professores e escritores que poderiam levá-la a locais que fossem de seu interesse em Nova York.
Mas não era isso o que Anne pretendia. Interessava-se por outras experiências. Como veremos, buscava “relações à margem” do convencional.
(...)
Em termos de relações pessoais, podemos dizer que Anne estava vivenciando um verdadeiro tédio. Em Chicago, por exemplo, senhoras dignas e de certa idade a receberam no aeroporto e cuidaram de fazer-lhe companhia por todo o dia... Outros tipos engomados juntaram-se a ela durante o seu almoço.
Tanto se enfastiou que, depois de seu compromisso acadêmico no Congresso, decidiu seguir para o hotel... De fato, aquela situação a incomodava. Restou encerrar-se no quarto, dormir e esperar que o próximo dia fosse mais proveitoso.
(...)
Então aconteceu que, ao despertar, Anne permanecia entediada... Não podia enganar-se a si mesma. Resolveu dar uma desculpa ao pessoal do Congresso e telefonou dizendo que estava muito indisposta por causa de um forte resfriado. Na sequência levantou-se alegremente e saiu para a rua aliviada, pois também não suportava o hotel, cuja clientela era de endinheirados.
O dia começou nevoento... A caminhada resultou em insatisfação. Anne estava só e a friagem era desanimadora. Mas ela carregava a sua agenda e foi graças a isso que pôde contatar certo Lewis Brogan, um escritor cujo número de telefone havia sido passado pelos Benson... O tipo confirmou ter sido informado a respeito de sua estadia na cidade e mostrou-se disposto a pegá-la no hotel para acompanhá-la num passeio alternativo. Porém Anne deixou claro que preferia, em vez de retornar ao hotel que a desagradava, seguir até onde o desconhecido escritor se instalava.
(...)
O trajeto percorrido pelo táxi evidenciava a mudança de paisagem conforme o endereço de Brogan se aproximava... O local era dos mais desprovidos. Chão de terra batida, paliçada de madeira, lata de lixo fumegante... Uma taberna com letreiro apagado chamou a atenção de Anne, que decidiu subir uma escada de madeira... Na sacada deparou-se com uma porta de vidro. Era ali que vivia o escritor.
Não se pode dizer que a francesa tenha se percebido incomodada com o cenário, mas certamente algum embaraço a dominou e, por um instante, sentiu-se constrangida antes de bater à porta.
O tipo era jovem e alto... Carregava um blusão de couro. Deu passagem para que Anne entrasse e foi logo justificando a bagunça do ambiente ao explicar que estava colocando ordem em sua papelada... Ela notou a ausência de geladeira e o modo como o aquecedor funcionava de modo precário.
Brogan quis saber por que ela não quis que ele a buscasse no hotel e ficou sabendo que Anne desprezava o local onde estava instalada. O moço sorriu e argumentou que ela não poderia estar em melhor ambiente na cidade... Anne garantiu que era exatamente o conforto e cuidado exagerados do hotel que a entediavam... E isso sem levar em conta os hóspedes, todos eles “almofadinhas”...
(...)
Estava claro que o ambiente de Brogan não representava os lares dos americanos. Embora nitidamente precário, Anne considerou-o aconchegante, e com o básico para que um escritor pudesse exercer o seu ofício... Máquina de escrever e toca-discos devidamente instalados em meio a peças de bom gosto (coberta mexicana, “cadeira amarela de Van Gogh”...). Ela fez elogios ao quarto.
Brogan ofereceu-lhe café e perguntou se não gostaria de tirar o casaco e ouvir discos franceses (havia uns de Charles Trenet)... Mas Anne mostrou que estava a fim de conhecer um pouco de Chicago, foi para isso que ela havia chegado ali... O rapaz deu a entender que estava à disposição e quis saber se precisava vestir algo mais apropriado para acompanhá-la...
Anne respondeu que detestava os “colarinhos duros”... Isso foi um elogio ao trajar rústico do outro, que garantiu nunca ter se vestido de outra forma.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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