De certa forma, Beauvoir dá a entender que o famoso clube “Delisa” (local de apresentação de tradicionais jazzistas em Chicago), para onde Anne e Brogan se dirigiram, era um ambiente que também agregava grupos que atuavam pelos direitos civis dos negros... O casal chegou num momento em que o local estava sendo utilizado por um desses movimentos...
(...)
Eles foram colocados em um boxe próximo ao palco, mas não havia nenhuma
apresentação musical no momento... Enquanto se serviam de frango frito, Anne
observou que vários dos presentes (nem todos eram negros ali) portavam barretes
turcos em suas cabeças... Ela quis que Brogan explicasse do que se tratavam e
ele disse apenas que os que ali se reuniram eram “uma das ligas como tantas
outras que existiam”, e que certamente estavam realizando um de seus congressos.
Anne concluiu que não seria agradável permanecer
no local... Principalmente porque percebeu que Lewis estava um tanto fatigado.
Sentiu que o fato de ela ter insistido para jantarem fora o deixara irritado...
Alimentaram-se silenciosamente, e Anne pensou sobre as últimas 36 horas e o
quanto elas deviam ter sido pesadas também para o amigo americano... Toda pressão
sentimental somada às horas que passaram sem dormir deixaram-no esgotado
fisicamente.
(...)
De repente um tipo começou a se pronunciar ao
microfone... Anne perguntou sobre o que ele falava e Brogan disse que era sobre
a liga... Certamente haveria alguma atração, mas ele não tinha ideia de qual
seria nem quando teria início...
Anne percebeu que era sem vontade que Lewis falava... Estava mesmo
desanimado. Ela, por sua vez, ficou desapontada... Muito mais por ter se
lembrado de que estavam ali devido à sua insistência... O tipo do microfone
anunciou uma mulher que foi recebida por aplausos contundentes... Muitos outros
também foram apresentados na sequência, e Anne imaginou que toda a liga seria
apresentada.
Ela olhou para Brogan e notou que sua irritação
aumentava a cada instante... Ela sugeriu que saíssem, mas a resposta dele foi
áspera, garantindo que não sairiam imediatamente, já que tinham vindo de tão
longe...
Além do peso da culpa, Anne sentia-se magoada também por supor que a
irritação do outro se devesse ao fato de ela não ter aceitado sua proposta de
retornarem ao aconchego da casa... Ela procurou dialogar, mas Brogan não
demonstrava interesse... Quase que com monossílabos, ele insistia que deviam
esperar nem que isso lhes custasse muito tempo...
Anne quis mostrar que não desejava sacrifícios, mas o amado parecia
fazer questão de patentear, indiretamente, que aquilo estava acontecendo por
culpa dela... Durante duas horas ele permaneceu ensimesmado, sem pronunciar uma
única palavra... Ela pediu um uísque duplo esperando se reanimar com a
bebida... No palco, os tipos se alternavam e maio aos aplausos.
(...)
Acanhada, refletia sobre o absurdo das últimas horas... Estivera no
parque ensolarado, onde tudo ocorrera como num sonho bom... Anel no dedo e
palavras que afirmavam desejo de união permanente... À noite, porém, essa
desavença e a irritação que poderia pôr tudo a perder...
Apesar da reviravolta, ela considerava que não
havia nenhuma injustiça na postura do amado...
Mas aquilo poderia
provocar a separação definitiva!
Pensar que, de fato, se separariam, fez com que lágrimas
chegassem aos seus olhos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_15.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto