Dudule, considerado o “amante oficial” de Lucie Belhomme, puxou assunto com Anne... Fez um comentário sobre os americanos e a América, de onde ele sabia que a doutora estava regressando... Comparou os EUA a um “gigantesco sonho de criança mimada”, e os americanos a tipos que podiam ser facilmente identificados por seus “enormes cartuchos de sorvetes” (o “símbolo de toda a América”)...
Uma “falsa loira” que estava com ele também deu sua opinião negativa a respeito... Anne nada disse enquanto ouvia aqueles juízos acabados (Para eles, o país era lugar de “crianças grandes”, de “amantes detestáveis”; um paraíso onde a vida era agitada e febril e as mulheres se davam bem)...
Anne refletiu sobre a sensibilidade dos intelectuais... Lembrou-se do marido e também de Henri e verificou que seus gostos e repulsas eram muito parecidos aos daqueles tipos... Um profundo desgosto a dominou porque notava que as jovens “delgadas e lustrosas” que se reuniam em torno de Belhomme transpiravam apenas “ambições vazias, ciúmes ardentes, vitórias e derrotas abstratas”... Então um sentimento de piedade aflorou em seu peito...
(...)
O mundo está repleto de coisas que merecem ser
amadas e odiadas... Pelo menos essa era uma convicção da qual partilhava com
Robert e, naquele momento, sentia que não podia abrir mão dela.
(...)
Belhomme aproximou-se novamente de Paule com o sorriso
que só ela parecia saber estampar... Perguntou se ela conhecia a bela Josette e
garantiu que a beleza da filha só podia ser comparada àquela ostentada pela
própria Paule do passado. De fato, Paule não a conhecia... Anne não deixou
passar a oportunidade de alfinetar e afirmou que haviam lhe dito que Josette
não se parecia em nada com a própria mãe...
Anne observava Lucie, que dava a entender que vivia a se questionar se
havia outro modo de “ser mulher” além daquele que ela própria experimentava... O
tipo não deixou as palavras de Anne por menos e disse que Paule deveria visitá-la
na Amaryllis para que pudesse ter uma
oportunidade de se vestir melhor... Anne se intrometeu dizendo que isso seria
uma pena, pois não faltam mulheres que usam a indumentária da moda, ao passo
que a beleza e a naturalidade de Paule a tornavam única.
A sequência de falas agressivas se encerrou depois que
a anfitriã retirou-se sobre seus saltos sentenciando que, no caso de Paule
deixar de desprezar a moda, o convite à Amaryllis
permanecia válido... E ela poderia aproveitar os serviços de um de seus
conhecidos estetas que “faziam milagres”... Quando voltaram a ficar sós, Anne
lembrou à amiga que ela poderia ter perguntado à outra por que ela mesma ainda não
recorrera aos tais serviços.
(...)
Evidentemente Paule não sabia como lidar com aquele tipo de gente no “jogo
das palavras e provocações”... Anne perguntou se ela não gostaria de deixar
aquela desprezível reunião. Mas, por entender que sua retirada seria entendida
como derrota, ela resolveu que deviam permanecer.
Claudie se aproximou das duas e segredou que a ruivinha que chegou
triunfante ao salão era Josette... Anne faz uma descrição das mais elogiosas
sobre a beleza da garota. No mesmo instante ela procurou observar a reação da
amiga, que permaneceu paralisada e, com toda certeza, a ouvir “vozes diabólicas”.
Anne não conseguia entender por que Paule tinha de passar por aquela
situação vexatória... Estaria ela representando um papel definido por ela
mesma?
Mas que tipo era Paule, afinal? Não se esforçava para compreender Henri,
“nutria-se de quimeras”, era afeita à preguiça... Todavia nunca havia feito mal
a ninguém... Será que merecia tão selvagem punição?
Uma infortunada...
Anne notou as lágrimas que principiavam a
escorrer de seus olhos... Tocou em seu braço e a conduziu para fora.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_29.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto