Anne presenciou a conversa entre Nadine e Lambert... Era como mãe que gostaria de entender a relação dos jovens... Pretendia que a filha se realizasse e que vivesse em harmonia com o namorado.
(...)
Depois que o moço se retirou, principiou a falar sobre o que imaginava
se passar na cabeça de Lambert... Nadine disse que só podiam ser “ideais
mesquinhos” e que o grande problema entre os dois estava no fato de ele pretender
envolvê-la em seus projetos... Anne se fez de conciliadora e garantiu que ela
podia se comportar de modo a deixá-lo mais animado... Mas para Nadine a
complicação se resumia em não conseguir dizer-lhe o que ele esperava ouvir...
Isso nem era intencional... Sua rispidez para com Lambert parecia involuntária,
e é claro que isso em nada poderia animá-lo.
Nadine não compreendia por
que Lambert sempre precisava de alguma “autorização”... Era muita falta de
autonomia! Anne insistiu que ela poderia ceder um pouco mais às vontades do
outro.
Nesta parte do diálogo, Nadine disparou uma série de
insatisfações... Principalmente em relação ao desenfreado “apetite sexual” do
rapaz... Reclamou que se ela não se cuidasse corria o risco de se engravidar
com frequência absurda... Anne não gostava desse tipo de confidências, mas
ouviu tudo com atenção... Nadine seguiu explicando que “ter de introduzir um ‘tampão’
no próprio corpo com o auxílio de instrumento de vidro que lembrava ‘escova de
dente’ era muito desagradável”.
Anne demonstrou não ter noção do método anticoncepcional descrito com
irreverência pela filha... Limitou-se a dizer que, se ela considerava a relação
agressiva, poderia se recusá-la... Nadine explicou que a sua opção era a
convivência com os rapazes, dessa forma assumia que “ir para a cama com eles”
fazia parte... No entanto julgava Lambert insaciável... Riu e completou dizendo
que, para ele, “possuir a coisa” só era possível “se se servisse dela”...
Anne deu a sua opinião... Quis que a filha visse em
Lambert um tipo que a amava... Nadine esclareceu que não era bem assim, pois
entendia que ele havia começado a se interessar por ela somente depois de saber
de seu envolvimento com Henri... Para ela, Rosa havia sido o único e verdadeiro
amor de Lambert. O rapaz não a levava em relevante consideração... Além disso,
ela mesma não se sentia um tipo que pudesse despertar interesse em Lambert...
Então havia apenas uma acomodação, só isso... Ele fazia questão de possuí-la
porque isso o fazia se sentir másculo.
(...)
Mais uma vez o jovem casal se dirigiu a Paris... O episódio que poderia catalisar
o entendimento do casal teve efeito contrário, já que retornaram a Saint-Martin
muito mal-humorados.
O céu carregado de nuvens anunciava uma tempestade... Anne parecia concordar
com Nadine: as férias fatigavam.
A moça tricotava; o moço se entretinha com a leitura
de um livro.
De repente ela implicou com a concentração do rapaz... Quis saber se ele
ainda não terminara o texto de Splenger (referência a O Declínio do Ocidente, obra de Oswald Arnold G. Splenger –
historiador e filósofo alemão), pois pretendia lê-lo também...
Anne sabia que a filha não podia ver alguém lendo que logo demonstrava
interesse pelo livro... Mas isso não significa que resultasse em algo
produtivo, já que normalmente a encadernação acabava numa pilha em que vários
outros livros jaziam sem qualquer utilidade em seu quarto.
Nadine não deixou de
alfinetar ao dizer que o autor era “soberanamente estúpido”... Sentindo-se provocado,
Lambert quis saber de onde ela tirava aquele tipo de conclusão... Seria de seus
“amiguinhos comunistas”?
Ela respondeu que todos sabiam do conteúdo
exposto por Splenger... Sugeriu que o melhor que tinham a fazer era dar uma
volta de motocicleta pela floresta... Lambert recusou e garantiu que não era
uma boa ideia porque certamente acabariam surpreendidos pela tempestade que se
aproximava.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-uma.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto