Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_6.html
antes de ler esta postagem:
O tribunal
providenciou um advogado para Menocchio. Agostinho Pisensi apresentou a defesa
(longa) “do pobre coitado Dominici Scandella”, qualificado por ele como um tipo
“simples e ignorante”. A absolvição era solicitada com a argumentação de que os
testemunhos “eram de segunda mão, contraditórios e deficientes pela clara
animosidade”. A defesa foi apresentada a 22 de julho de 1599... Depois de duas
semanas, a 2 de agosto, a congregação do Santo Ofício declarou por unanimidade
que Menocchio era um “relapso”, alguém que voltava a incorrer nos mesmos
terríveis erros do passado.
No dia 5 de agosto, Menocchio passou por tortura com a intenção de obter
dele os nomes de cúmplices... Na véspera, sua casa havia sido revirada, “livros
e escritos” foram confiscados... Se quisesse evitar a tortura deveria denunciar
nomes, mas “não se lembrava de ter discutido com ninguém”. Enquanto verificavam
se tinha “físico apto a sofrer tortura” (isso fazia parte dos regulamentos do
Santo Ofício), respondia que havia discutido com muitas pessoas, mas não se
lembrava delas... Isso ele teve de repetir todas as vezes que foi perguntado.
A tortura com cordas teve
início e ele implorou: “Ó Senhor Jesus Cristo, misericórdia, Jesus,
misericórdia, eu não me lembro de ter discutido com ninguém, eu poderia até
morrer por ter seguidores ou companheiros, mas eu li por conta própria, ó
Jesus, misericórdia”. Davam-lhe puxões e perguntavam-lhe com quem havia
discutido, mas ele só dizia “Ó Senhor Jesus, coitado de mim”; “(...) Jesus,
Jesus, não sei de nada”... Pediu que o deixassem sozinho para pensar... Mas
como não dizia nada que respondesse o que lhe haviam perguntado, erguiam-no
novamente para novos puxões... Então chegou o momento em que suplicou: “Ai de
mim, ai de mim, mártir, Senhor Jesus Cristo”; “Senhor, deixem-me em paz que
direi qualquer coisa”... Falou qualquer coisa sobre ter conversado com “Zuan
Francesco Montereale” sobre não ter certeza de “qual era a melhor fé”... Depois
explicou que, na verdade, o senhor Gio. Francesco (homem insuspeito que era) o
havia recuperado de suas loucuras... Não conseguiram tirar mais nenhuma
informação dele. Os registros apontam que a tortura foi “moderada” e com
duração de meia hora.
As sessões de tortura eram monótonas para os juízes...
Principalmente num caso como aquele, em que o velho insistia em nada dizer a
respeito de cúmplices. Certamente foi de propósito que Menocchio citou o senhor
de Montereale, alguém acima de qualquer suspeita e que não atrairia a atenção
das autoridades para qualquer investigação mais apurada. Menocchio resistiu e
nada falou, mas devia estar escondendo nomes... Sobre “ter lido por conta
própria”, devemos considerar que “decerto não estava longe da verdade”.
O silêncio do torturado era uma maneira de convencer os juízes de que
suas ideias eram resultado de seu autodidatismo e reflexões solitárias... Mas é
claro, como podemos atestar pelos registros de O Queijo e os Vermes, que “sobre a página impressa ele projetava
elementos retirados da tradição oral”. Em síntese, pode-se dizer que a tradição
oral era a expressão da “religião camponesa” não alinhada com doutrina e dogmas
católicos... Sua fundamentação estava (mais) nos “ciclos da natureza”.
Ginzburg relata, por exemplo, o espanto que os
jesuítas experimentaram ao entrarem em contato com os guardadores de rebanhos
de Eboli durante o século XVII... Para os religiosos, aqueles eram “homens, que
de homens só têm a forma, não muito diferentes em capacidade e pensamento dos
animais que cuidavam; totalmente ignorantes não só das orações ou outros
mistérios próprios da Santa Fé, mas do próprio conhecimento de Deus”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_11.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto