segunda-feira, 19 de agosto de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – o posfácio do professor Renato Janine Ribeiro – Última Parte – processos e alvos da inquisição ao tempo da Reforma protestante e depois dela; um “manual” de inquisidores; a mensagem simples de Menocchio; “às vezes a pior tortura é ter a voz silenciada”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_19.html antes de ler esta postagem:

Janine cita O Mundo de Ponta-cabeça, de Christopher Hill, e Religion and the Decline of Magic, de Keith Thomas, para esclarecer melhor o panorama em que a Reforma protestante se deu... A magia e outras manifestações pagãs declinaram consideravelmente a partir do século XV de tal modo que os processos de “caça às feiticeiras” praticamente desapareceram... Em A obsessão das bruxas na Europa dos séculos XVI e XVII, de Hugh Trevor-Roper, constata-se que o fenômeno da perseguição às bruxas é “mais moderno do que se pensa”; “a Idade Média persegue-as menos do que os séculos XVI e XVII”... Tanto na Inquisição Católica quanto na evangelização protestante do início do período moderno verificou-se intolerância desmedida contra os hereges...
O intuito é “eliminar o Outro” (que significa, aqui, o próprio diabo, como ressalta Janine)... Os excessos eram cometidos levando-se em consideração que seria melhor eliminá-lo a ter de suportar remanescentes... Janine compara aquela atuação ao controle que se faz das infecções em hospitais, onde se faz esterilização demais, em vez de menos... Por aqueles tempos não havia o princípio jurídico de “inocência do réu” até que prova contrária a ele surgisse... Ao tempo da Inquisição que se abateu sobre os cátaros, a máxima era a “queimar a todos, pois Deus reconheceria os seus”...
O Manual dos Inquisidores, de Nicolau Emérico e Francisco Peña estabelecia o máximo rigor na atuação contra os hereges, sobretudo porque considerava que os piores (hereges) eram “os que melhor se disfarçavam de inocentes”; e em relação aos loucos que blasfemam, o registro dá conta de que (os inquisidores) não podiam “entregar um louco à morte”, tampouco poderiam “deixá-lo impune”... O interrogatório por si só já se constituía numa malha da qual dificilmente os acusados mais simples tinham condições de escapar... As questões envolviam os mais complexos temas teológicos...
Com Menocchio temos uma reação absolutamente estranha... Ao que tudo indica, pelo menos ao tempo do primeiro processo, ele mesmo via em sua prisão a possibilidade de “falar diante de poderosos”... “Nessa armadilha ele queria se meter” porque essa era a possibilidade de ele falar... Ele mesmo garantia que “não se incomodaria se o matassem depois dessa oportunidade”.
Apesar de Menocchio ter sido atingido “apenas à distância” pela Reforma e pelo Renascimento, ele agia com o que havia de mais progressivo nos dois movimentos, pois era a um só tempo autônomo em relação às coisas da fé, como os reformistas, e curioso como os renascentistas.
A mensagem de Menocchio era simples... A possibilidade de conhecer (ainda que através de livros) outros povos, manifestações culturais e religiosas diferentes, o levava a defender a tolerância (toda religião é boa e elas se equivalem perante Deus)... O “novo mundo” que surgiria não teria autoridades religiosas e nem mesmo religião dominadora.
Durante o primeiro processo o moleiro recebeu o amparo de sua mulher e de seu querido filho mais velho... A condenação impôs-lhe o “hábito da infâmia”. Foi a muito custo que conseguiu modificar a punição para prosseguir buscando as atividades que lhe proporcionavam subsistência em outras cidades...
O segundo processo foi marcado pela rejeição dos filhos que ainda lhe restavam... As pressões contra ele vieram inclusive de Roma... O seu fim é o mesmo de inúmeros mártires.
Todo o texto de Janine nos leva a considerar o nosso próprio cotidiano de leitores, nossas interpretações e opiniões que vamos formando ao longo de nossas existências... Sua frase final é conclusiva, e também desafiadora:
“Nem toda confissão é uma vitória da tortura; porque às vezes a pior tortura é ter a voz silenciada”.
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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