segunda-feira, 19 de agosto de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – o posfácio do professor Renato Janine Ribeiro – Primeira Parte - considerações sobre a solidão de Menocchio e o esmero de Ginzburg

Há as considerações do professor Renato Janine Ribeiro no posfácio de O Queijo e os Vermes (Companhia das Letras)... Seu texto leva-nos a prosseguir nas reflexões sobre Menocchio, sua comunidade e seu tempo... Janine sentencia logo no início: “Menocchio é um herói, ou mártir da palavra”... E isso porque, como sabemos, o moleiro era um leitor como poucos das redondezas do Friuli... Além de leitor, era dado às reflexões... E o exercício era de tal modo inspirador que o levava a relacionar os diversos conteúdos e a conceber um ponto de vista que se opunha às práticas e doutrina impostas pela Igreja Católica.
A existência de Menocchio se tornava tanto mais conflituosa quanto mais ele se via sem interlocutores entre os demais (camponeses, famílias tradicionais, o pároco e até em meio aos seus parentes)... Não o compreendiam... Assim, ele se sentia solitário... Suas leituras e pensamento levavam-no a sistematizar sua visão de mundo e do cristianismo. Através da palavra escrita tinha contato com outros povos (pigmeus, muçulmanos...) e outras realidades... A cosmogonia que inclui “queijo e vermes” é resultado de sua ansiedade em explicar e entender Deus e o mundo... Gostaria muito de ter com quem discutir sobre suas reflexões, e pretendia, sobretudo, expor seu pensamento aos poderosos, que eram os que ele achava que tinham condições de ouvi-lo (e que precisavam ouvi-lo).
O tempo em que Menocchio viveu não era dos mais fáceis para os “livre pensadores”... A leitura de O Queijo e os Vermes apresenta-nos as possíveis influências que ele recebeu, porém, mais do que absorver conteúdos, importa saber como ele os leu e “encaixou” em sua ideia de mundo (e de “novo mundo”).
“Humanistas refinados” e seus textos podem ser relacionados às palavras de Menocchio... Além deles, a ética anabatista também podia ser associada às suas ideias e anseios... Aliás, isso, por si só, já se tornava um grande perigo para ele... Janine faz a analogia entre essa condição (do “agitador anabatista do século XVI”) com a do comunista em sociedades capitalistas em tempos de Guerra Fria... Sem dúvida, uma postura, no mínimo, temerária.
Não vemos Ginzburg classificar Menocchio em nenhum “modelo clássico” de pensador... Sua condição é original... Ele nem pode ser considerado um tipo totalmente popular, já que sua profissão o coloca à parte em relação aos demais camponeses.
Ginzburg vai além da especulação em torno da postura de Menocchio (se era afinado com o luteranismo, ou se havia lido o Corão, por exemplo)... Mais que isso, ao autor interessa elencar os pontos em que ele convergia ou divergia em relação a textos e doutrinas...
Mas então, Menocchio interpretava erroneamente o que lia? Ginzburg procurou “decifrar a sua estranha maneira de adulterar e alterar”... Ocorria o que se pode considerar uma “recriação”. Citando Erwin Panofsky (Et in Arcadia ego), Janine esclarece que a leitura e interpretação de Menocchio devem ser entendidas não como “divergência ou erro”, mas como “outro modo de compreender” uma dada realidade.
O autor de O Queijo e os Vermes analisou tudo isso e constatou que a parte da interpretação “menocchiana” que se tratava de invenção revelava-se “fundo de cultura camponesa” que se mantinha pagão... As “crenças antigas e pouco cristãs” observadas por Ginzburg no norte italiano se verificam também na “Inglaterra do norte e do País de Gales” durante o século XVII.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_1118.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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