Há as considerações
do professor Renato Janine Ribeiro no posfácio de O Queijo e os Vermes (Companhia das Letras)... Seu texto leva-nos a
prosseguir nas reflexões sobre Menocchio, sua comunidade e seu tempo... Janine
sentencia logo no início: “Menocchio é um herói, ou mártir da palavra”... E
isso porque, como sabemos, o moleiro era um leitor como poucos das redondezas
do Friuli... Além de leitor, era dado às reflexões... E o exercício era de tal
modo inspirador que o levava a relacionar os diversos conteúdos e a conceber um
ponto de vista que se opunha às práticas e doutrina impostas pela Igreja
Católica.
A existência de Menocchio se tornava tanto mais conflituosa quanto mais
ele se via sem interlocutores entre os demais (camponeses, famílias
tradicionais, o pároco e até em meio aos seus parentes)... Não o
compreendiam... Assim, ele se sentia solitário... Suas leituras e pensamento
levavam-no a sistematizar sua visão de mundo e do cristianismo. Através da
palavra escrita tinha contato com outros povos (pigmeus, muçulmanos...) e
outras realidades... A cosmogonia que inclui “queijo e vermes” é resultado de
sua ansiedade em explicar e entender Deus e o mundo... Gostaria muito de ter
com quem discutir sobre suas reflexões, e pretendia, sobretudo, expor seu
pensamento aos poderosos, que eram os que ele achava que tinham condições de
ouvi-lo (e que precisavam ouvi-lo).
O tempo em que Menocchio
viveu não era dos mais fáceis para os “livre pensadores”... A leitura de O Queijo e os Vermes apresenta-nos as
possíveis influências que ele recebeu, porém, mais do que absorver conteúdos,
importa saber como ele os leu e “encaixou” em sua ideia de mundo (e de “novo
mundo”).
“Humanistas refinados” e seus textos podem ser
relacionados às palavras de Menocchio... Além deles, a ética anabatista também
podia ser associada às suas ideias e anseios... Aliás, isso, por si só, já se
tornava um grande perigo para ele... Janine faz a analogia entre essa condição
(do “agitador anabatista do século XVI”) com a do comunista em sociedades
capitalistas em tempos de Guerra Fria... Sem dúvida, uma postura, no mínimo,
temerária.
Não vemos Ginzburg classificar Menocchio em nenhum “modelo clássico” de
pensador... Sua condição é original... Ele nem pode ser considerado um tipo
totalmente popular, já que sua profissão o coloca à parte em relação aos demais
camponeses.
Ginzburg vai além da especulação em torno da postura de Menocchio (se
era afinado com o luteranismo, ou se havia lido o Corão, por exemplo)... Mais
que isso, ao autor interessa elencar os pontos em que ele convergia ou divergia
em relação a textos e doutrinas...
Mas então, Menocchio interpretava erroneamente o que lia? Ginzburg
procurou “decifrar a sua estranha maneira de adulterar e alterar”... Ocorria o
que se pode considerar uma “recriação”. Citando Erwin Panofsky (Et in Arcadia ego), Janine esclarece que
a leitura e interpretação de Menocchio devem ser entendidas não como
“divergência ou erro”, mas como “outro modo de compreender” uma dada realidade.
O autor de O
Queijo e os Vermes analisou tudo isso e constatou que a parte da
interpretação “menocchiana” que se tratava de invenção revelava-se “fundo de
cultura camponesa” que se mantinha pagão... As “crenças antigas e pouco
cristãs” observadas por Ginzburg no norte italiano se verificam também na
“Inglaterra do norte e do País de Gales” durante o século XVII.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_1118.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto