Durante o processo, Pighino manteve-se firme, disse que não se lembrava de nada do que lhe perguntavam e, assim, não tinha nenhum nome a oferecer às autoridades... Foi torturado com fogo, pois foi constatado que não suportaria as cordas porque sofria de hérnia... Mesmo assim nada confessou...
Ginzburg destaca que também Pighino escondia nomes. No dia seguinte após a acareação com Gerolamo da Montalcino, ele teve de repetir a lista de nomes de cavalheiros para os quais havia prestado serviços e, em vez de dizer o nome de Vincenzo Bolognetti, pronunciou Vincenzo Bonini... Talvez isso indicasse uma tentativa de proteger o tal Bolognetti.
É claro que a dúvida sobre quem teria sido o preceptor de Pighino permanecerá... Mas há alguma possibilidade de ele ter tido contato com o frade secularizado (e não padre, como disse Gerolamo) Paolo Ricci – o herético Camilo Renato – também conhecido como Lisia Fileno (seu “nome humanista” quando esteve em Bolonha para lidar na educação de filhos de nobres)... Ricci permaneceu por dois anos naquela cidade, onde chegou em 1538. Entre as famílias que o receberam destacam-se os Danesi, os Lambertini, os Manzoli e os Bolognetti... Fez referência a esses últimos em sua Apologia, escrita em 1540 na intenção de se livrar de acusações do Santo Ofício.
Ricci teria ouvido relatos na casa do cavalheiro que o levaram a argumentar contra a religiosidade popular... Ele criticava a religiosidade camponesa que creditava a Nossa Senhora um poder igual (e até superior) ao de Cristo no atendimento de suas preces... Nos diálogos que manteve com a gente do povo, notou que as pessoas acreditavam que a mãe de Jesus poderia “pedir e forçar o filho a prestar os favores aos fiéis”... Concluía que, em seu cotidiano, os camponeses sempre reverenciavam o poder que a mãe tem sobre os filhos (direito da maternidade) e que, assim sendo, aceitavam que no céu deveria ocorrer da mesma forma. Em sua Apologia, Paolo Ricci (que também era Camilo Renato e Lisia Fileno) defendia a “religião cristocêntrica”.
(...)
Apesar de as datas relatadas não coincidirem, Pighino bem poderia ter
sido um dos camponeses simples com os quais Camilo Renato conversou na casa dos
Bolognetti... O depoimento de Pighino dá a entender que suas opiniões tomaram
forma entre 11 e 22 anos antes de seu processo (a variação se deve às alterações
que ele pronunciou em diferentes depoimentos)... Todavia, embora distante no
tempo, podemos cogitar que as ideias do moleiro fossem eco das palavras do
frade herético... Houve algum encontro entre ambos? O próprio Ginzburg define a
possibilidade como “suposição fascinante”.
Em 1540, ano da Apologia de
Fileno e de seus registros acerca dos contatos na residência dos Bolognetti,
ele foi preso “nos campos modenenses onde andava subvertendo camponeses”. De
acordo com seu acusador (Giovanni Domenico Sigibaldi, que escreveu ao cardeal
Morone), com o frade herético andava um tipo que podia ser perfeitamente
definido como “luterizante”: “Turchetto, filho de um turco ou de uma turca”...
É quase certo que este se tratasse de Giorgio Filaletto (o Turca), que havia
traduzido o De Trinitatis erroribus
que, como sabemos, chegou às mãos de Menocchio.
Então temos aí um típico caso em que se nota o
contato de eruditos heréticos e suas teorias com os camponeses. Mas, a partir
dos discursos de Pighino, notamos que a aceitação das ideias não era passiva...
Seus conceitos acerca da “origem servil de Maria” e da “igualdade entre grandes
e pequenos no paraíso” afinam-se mais com o Settennario,
de Scolio, que pertence à mesma época.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_3886.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto