Notando que o filho não retornaria com os parentes, a mãe de Peri disse-lhe que também ficaria... Mas o guerreiro a fez lembrar-se que a tribo e sua cabana precisavam ser cuidadas. Alertou que os mais novos precisavam conhecer a história de Ararê e das lutas dos goitacá contra os brancos... Convenceu-a de que ela tinha todas essas tarefas, além de preparar os vinhos aos guerreiros do povo e ensinar os velhos costumes aos mais jovens. A velha aceitou a sua condição e respondeu que voltaria para a cabana, onde o aguardaria “à sombra do jambeiro”... E completou dizendo que se as flores do jambeiro surgissem sem que Peri estivesse entre os seus, ela mesma não veria os frutos que a árvore viesse dar.
Notamos que o desespero da mulher tomara tons dramáticos porque a ameaça de suicídio está bem clara em sua última consideração... Então colocou sua fronte na de Peri e os dois choraram... Ela se virou e seguiu em meio à floresta. Peri principiou a segui-la, demonstrando que tinha a intenção de prosseguir com ela... Mas de repente ouviu a voz de Cecília, que permaneceu a conversar com d. Antônio... A voz da menina teve o efeito de fazê-lo retornar à sua decisão anterior de “ficar junto à sua senhora”... Naquela mesma noite construiu a pequena cabana de palha perto da ponta do grande rochedo, ao fundo do casarão de d. Mariz.
(...)
Depois de algum tempo,
Cecília já não pensava sobre o desprezo em relação a Peri ou se isso
significava ingratidão... Passou a tratá-lo como a um escravo qualquer... Aos
poucos a sua antipatia em relação a ele não tinha como ser disfarçada... O seu
orgulho crescia, e bastava saber que o índio se aproximava para dramatizar... A
moça soltava gritos assustados como se tivesse tomada um susto aterrorizador,
então fugia ou exigia que ele se afastasse imediatamente... E já que Peri
estava se acostumando às palavras em português, entendia quase tudo o que ela
dizia... Mais do que entender a língua. Peri conhecia a aversão da outra.
No entanto, para d. Antônio a companhia de Peri era
excelente... Ele o ajudava em suas expedições pela floresta, desvendando-lhe
segredos e o ajudando a encontrar pedras preciosas e sítios auríferos...
Costumeiramente, Peri entregava a d. Antônio pássaros e flores que deviam ser
levadas para a donzela que o desprezava... O índio evitava cada vez mais o
contato direto com ela porque notava que não o aceitava por perto... Ele a
chamava de Ceci.
Até isso causou a repulsa da menina, e foi esbravejando que quis saber
por que ele não a chamava pelo seu nome de modo correto... Peri demonstrou que
sabia dizer o nome dela, e até o soletrou... Mas explicou que Ceci era o que ele carregava na alma...
Apesar da insistência de Cecília em saber o significado daquela “redução de seu
nome”, ele teimou em não revelar... Foi d. Antônio que explicou que “Ceci
significa doer, magoar”. Essa revelação a fez refletir sobre a sua
ingratidão... O significado de Ceci
pareceu-lhe suave como um canto de pássaro... Aos poucos o seu orgulho foi
desaparecendo e ela foi deixando de se assustar com a sua presença... Cecília,
enfim, aceitou Peri como um “amigo fiel e dedicado”. Ela até pedia que ele a
chamasse de Ceci.
(...)
Na sequência, o texto retoma os fatos desde a cerca
natural de cardos onde Loredano e seus dois cúmplices estavam a beber vinho
enquanto acertavam a sua vilania até que foram surpreendidos pela misteriosa
voz (pronunciando “traidores!”) que, como sabemos, era de Peri... Vimos que o
jovem índio não suportou ouvir a trama dos bandidos passivamente e revoltou-se
quando escutou o italiano mencionar suas intenções em relação à Cecília, e é
por isso que desabafou o “traidores!”.
Soeiro e Simões se assustaram e pensaram que
aquilo só podia ser algo sem explicação natural, talvez algum aviso do céu...
Loredano, de sua parte, tinha certeza de que o ocorrido só podia ser obra de um
homem que àquela altura conhecia os seus planos... Sem dúvida, pensou, alguém
próximo a d. Antônio e fiel a ele... Ou podia ser o próprio d. Mariz...
Importava, a partir de então, descobrir quem estivera a espioná-los para
eliminar mais esse entrave... Então pediu que os outros dois o seguissem...
Junto ao peito carregou o pergaminho.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-guarani-de-jose-de-alencar-loredano.html
Leia: O guarani. Editora Ática
Um abraço,
Prof.Gilberto