Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/07/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
antes de ler esta postagem:
As autoridades
queriam saber se ele ainda alimentava as ideias que o levaram à condenação...
Menocchio poderia “negar peremptoriamente”, mas em vez disso falou que
fantasias passaram-lhe pela cabeça... Disse, em contrapartida, que jamais havia
ensinado o mal a alguém. O inquisidor começou a exigir datas, locais e nomes de
pessoas com as quais ele teria falado sobre “assuntos de fé”. Sobre isso,
Menocchio disse que falou sobre “artigos da santa fé com alguns, por
brincadeira”... Garantia que não sabia com quem, onde ou quando.
É claro que essa ideia de “brincar com as coisas da fé” deixou o
inquisidor ainda mais irritado com Menocchio... “É justo brincar com a fé?” O
que o outro entendia por brincar? Menocchio respondeu que dizer mentiras
equivalia a “brincar”. A autoridade quis saber quais mentiras ele andou
falando, mas ouviu apenas um “Eu verdadeiramente não saberia repeti-las”.
Menocchi foi se defendendo
como podia... Falou que poderiam tê-lo interpretado mal, e que nada do que
sentia era contrário à fé... Desconversou sobre os seus ataques à “ineficácia”
de Cristo, dizendo que acreditava que ele tinha o poder de descer da cruz e que
o Evangelho apresenta a verdade... Sobre os textos, argumentou que padres e
frades, que eram estudados, “fizeram o Evangelho através da boca do Espírito
Santo”... O inquisidor queria detalhes... Onde? Quando? Para quem havia falado?
Quem eram os frades que haviam sido inspirados pelo Espírito Santo? Menocchio
disse que não tinha como falar sobre aquilo... E isso foi a deixa para que a
autoridade perguntasse, então, por que ele havia falado se não sabia do que
falava... E o moleiro respondeu que “O diabo algumas vezes nos tenta para dizer
alguma palavra”.
Através do Supplementum,
Menocchio ficara sabendo que havia muitos autores de evangelhos que não
constavam da Bíblia (São Pedro, São Tiago...) porque foram “suprimidos pela
justiça”... Seu raciocínio o forçava a indagar sobre os motivos de alguns
textos terem se tornado apócrifos e outros não... Já que os apócrifos eram obra
humana (e não divina), será que os que faziam parte da Bíblia não teriam sido
produzidos da mesma forma? Sabemos que, para Menocchio, desde muito tempo, a
Escritura poderia se resumir a “quatro palavras”.
Então vemos todas aquelas antigas ideias de Menocchio retornando ao seu
raciocínio. Mais uma vez ele estava diante de homens de poder para falar sobre
elas e explicá-las... Evidentemente elas não se repetiam exatamente como haviam
sido pronunciadas por ele quinze anos antes...
Disse que acreditava que Deus tenha feito todas as coisas, terra, ar e
água... O bispo de Concordia quis saber sobre o fogo... Menocchio respondeu que
o fogo está por toda a parte, e que os três elementos que ele citou
correspondiam à Trindade Santa (Pai é o ar; Filho a terra; Espírito Santo a
água)... Destacou que não podia garantir se era bem assim como ele havia
afirmado, mas admitiu crer que os espíritos combatem uns aos outros no ar... E
que os raios são a materialização da raiva deles.
De acordo com o raciocínio do processado, Deus devia ser o ar... E
esclarecia isso com a argumentação de que o ar é o elemento “mais alto” do que
os outros dois. O Filho só podia ser a terra porque é produto do Pai. E já que
a água vem do ar e da terra, assim devia ser também com o Espírito Santo. A sua
máxima sobre Deus ser uno e se manifestar em tudo o que há no mundo foi
retomada... O inquisidor quis, a partir disso, saber se ele acreditava que Deus
possui algum corpo... Sobre isso, Menocchio respondeu que “Cristo tinha corpo”...
O inquisidor perguntou se o Espírito tem corpo, e Menocchio respondeu que dizia
aquelas coisas por comparação.
O inquisidor, partindo do depoimento de Jacomel, disse
que sabia que o acusado havia afirmado que “Deus é nada mais que o ar”. Sobre
isso, Menocchio respondeu que não se lembrava, mas que certamente dissera que “Deus
é todas as coisas”. Sim, ele acreditava nessa afirmação e teve de explicar
(devido à insistência do inquisidor) que Deus é tudo o que Ele quiser... A
autoridade provocou querendo saber se aí estavam incluídos o diabo e as
serpentes. Ele respondeu que “Deus pode ser tudo o que é bom”. Voltando à
carga, o inquisidor disse que, então, Deus poderia ser uma criatura, pois as
criaturas são boas... O moleiro respondeu que não sabia o que dizer.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_5.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto