domingo, 11 de agosto de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – religiosidade camponesa; o “guardador de rebanho inglês” e seus conceitos religiosos; o poema “Settennario “, de Scolio, e sua profecia religiosa; Deus é Uno e está em toda parte; os dez mandamentos como fundamentos das religiões; os sacramentos segundo Scolio

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_9.html antes de ler esta postagem:

Acontecia muitas vezes de os homens do campo (principalmente entre “os não tão isolados”) incorporarem elementos do cristianismo à sua “religião camponesa”... A título de exemplificação, vale o registro sobre o “velho camponês inglês” e seus juízos que “mesclavam sua compreensão da natureza” a conceitos religiosos e teológicos, assim, ele entendia “Deus como um bom velho”; “Cristo como um belo jovem”; “a alma como um grande osso cravado no corpo”; o além como “um lindo campo verde”, para o qual todos os que tiveram um bom procedimento durante a vida terrena iriam após a morte...
Com Menocchio assistimos situação parecida, embora devamos ressaltar que o seu caso é exemplar porque se trata de um leitor de temas complexos num tempo em que o catolicismo romano enfrentava a crise provocada pelos eventos da Reforma.
(...)
Na sequência o texto trata do longo poema do camponês de pseudônimo Scolio, de Lucca... O poema data de uns vinte anos antes do processo de Menocchio... O título do poema é Settennario e tem temática religiosa e moral... O conteúdo é dos mais polêmicos, dado que suas palavras contemplam as visões proféticas de Scolio.
Segundo ele, Deus apareceu numa nuvem de ouro e lhe fez várias revelações, sendo que a principal delas é a de que nenhuma religião é superior às demais, e que os dez mandamentos resumem o núcleo de todas elas.
(...)
O camponês garante que Deus enviou diversos profetas aos vários povos... “Três capitães (os profetas) foram enviados pelo imperador (Deus)”: um à África, outro para a Ásia e outro para a Europa... Judeus, turcos e cristãos foram “visitados” e receberam uma cópia da lei (os dez mandamentos)... Dado que os costumes são diferentes, a lei religiosa pode ter sido comentada de forma variada, mas Deus é único... O poema explica que muitos outros capitães foram enviados pelo imperador: Noé, Abraão, Moisés, Josué, Davi, Salomão, Elias, Cristo e Maomé... O poema adverte sobre a necessidade de as lutas entre cristãos e turcos terem de acabar, pois só a conciliação interessava.
Isso não haveria de ser tão difícil de ocorrer porque os mandamentos são a base das três religiões (tradição da “lenda dos três anéis”) e também de religiões mais antigas, e de “outras que estão por vir”: uma não especificada; aquela que “Deus nos deu nos nossos dias” (a anunciada por Scolio em seu poema); e mais “duas futuras”. Sete religiões.
A religião da profecia de Scolio é bem simples, pois seus preceitos são o respeito aos mandamentos e aos “princípios da natureza”... Deus se revela uno e, assim, o dogma da Trindade é negado:
Não se adore nem creia que um Deus só
não tenha companheiro, amigo ou filho:
é filho seu e servo amigo quem
seus preceitos cumpre e ao dito atém-se.
Não adoreis outrem, ou Esp’ito Santo:
Sou Deu e Deus está em toda parte.
O batismo seria sacramento reservado aos adultos, e isso se confirma no trecho:
(...) e se batize após trinta anos, isto
como Deus e os profetas ordenaram
e como São João batizou ao Cristo...
Já a Eucaristia aparece no poema como desprezada:
que o pão abençoado
era o meu corpo e era o meu sangue o vinho,
vo-lo disse porque era meu dileto,
porque era um cibo e um sacrifício pio
mas não vo-lo ordenei como decreto
e sim porque a Deus lembram pão e vinho.
E nada importam vossos argumentos
e sim cumprir com os dez mandamentos
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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