segunda-feira, 12 de agosto de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – o poema “Settennario “, de Scolio, e sua profecia religiosa; os sacramentos; simplicidade na religião e humildade dos dirigentes; sobriedade e igualitarismo na sociedade que surgiria; intolerância em relação aos aproveitadores

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_11.html antes de ler esta postagem:

Scolio queria fazer entender que Cristo não havia decretado os sacramentos do batismo e da eucaristia... Sem importância alguma, sequer deveriam ser obrigatórios:
O meu batismo com o sacrifício,
a minha morte e a comunhão e a hóstia
mandamentos não são mas um ofício
a ser feito às vezes em minha memória.
Fica claro que o glamour das cerimônias católicas seria totalmente contrário ao desejo de Deus, para Quem o culto deve ser o mais simples possível... Para buscar a salvação, o fiel deve obedecer apenas os dez mandamentos de modo literal, sem levar em consideração qualquer “explicação de doutores” a respeito deles:
Que não haja colunas nem figuras
nem música nem órgãos, instrumentos,
nem campanários, sinos ou pinturas,
nem relevos nem frisos ornamentos:
sejam todas as coisas simples, puras
e só se escutem os dez mandamentos.
Scolio deixava claro que era o próprio Deus que apresentava sua palavra de modo simples e claro para que todos a entendessem. O texto do camponês apresenta linguagem “larga e plana”, nada de palavreado “inchado, escuro, culto e afetado”... Ao que tudo indica o radicalismo camponês anabatista influenciava Scolio... A doutrina expressa em seu poema garantia que os que governam devem exercer o poder paternalmente. Assim como para os anabatistas, Scolio tolerava a autoridade... Ele previa o desaparecimento do líder da igreja romana num futuro não determinado... Mas não classificava o papa como “anticristo”:
Se o Senhor meu te fez seu intendente
e te incumbiu da administração,
se te fez duque, papa, imperador,
se deu-te humanidade e discrição,
se te deu graça, empenho, honra, vigor,
hás de ser nosso pai e defensor,
o que tens não é teu, é doutros, meu;
salvo a honradez, tudo é de Deus.
Há muito do conteúdo da utopia “Cocanha” nas palavras de Scolio... Sobretudo quando ele define a sociedade (que por ele haveria de ser governada): as pessoas não lidariam com tarefas de produção manual além das “importantes e principais”; não haveria lojas e ninguém teria necessidade de buscar conhecimentos doutos, tidos como vaidades, pois doutores (médicos) seriam desnecessários na “nova realidade”... As extravagâncias dos botequins, orgias e beberagens deveriam ter fim; os que trabalham a terra deveriam dedicar-se apenas ao “útil e louvável”; os que se destinassem ao combate pela fé seriam reconhecidos, louvados e bem pagos; “soberba, crápula, arrogância, pompa, superstição, vanglória” deveriam desaparecer; o monarca, senhor de todo o povo, “pastor de seu rebanho”, conduziria a todos a um modo despojado de ser, o “vestir-se e calçar-se seriam pobres” e deveriam bastar apenas para o essencial.
A justiça prevaleceria porque a lei “breve, clara e comum” estaria ao alcance do entendimento de todos, “posta em vulgar”, todos a entenderiam, fugiriam do mal e perseguiriam apenas o bem... O igualitarismo seria outra marca da sociedade que viria, tanto que as diferenças entre os nascidos “em cidade, vila ou em castelo, de baixa ou superior linhagem” desapareceriam e ninguém teria “mínima vantagem” sobre quem quer que fosse.
Bastaria “ter boca” para “merecer com que viver”... Não haveria tolerância para os que desejassem viver do trabalho dos demais...
É ímpio, desumano que desfrutes
enquanto um outro, ou eu, por ti sofremos.
Deus nos fez ricos, nunca nos fez servos:
por que desejas que te sirva e ceve?
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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