Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_6773.html
antes de ler esta postagem:
A convicção de que no
Paraíso haveria igualdade era carregada de contradição... Pighino (moleiro de
mentalidade camponesa) entendia que “morto o corpo, morre a alma”. Sobre isso
foi interrogado e teve de admitir de acreditava que as almas beatas iriam para
o Paraíso, mas desapareceriam de acordo com a vontade de Deus... Chegou a
afirmar anteriormente que “as almas acabariam um dia desaparecendo do nada
(...) por causa das palavras do Senhor que dizem: ‘O céu e a terra passarão,
mas minha palavra não passará’”... A conclusão de Pighino era a de que se até o
céu um dia teria o seu fim, não poderia ser diferente com as almas.
Na Apologia, Fileno trata do
“sono das almas após a morte”, e sobre isso falou nas casas de cavalheiros que
frequentou em Bolonha... Ele bem poderia ser o “professor desconhecido” do qual
Pighino teria aprendido lições “falsas mas inteligentes”... Só que o moleiro
falava sobre a “aniquilação total das almas”, dado que até as almas beatas
desapareceriam... Portanto sua formulação era de materialismo mais radical...
Os anabatistas vênetos diziam que apenas as “almas danadas” seriam aniquiladas,
pois as dos beatos ressuscitariam por ocasião do Juízo Final... É possível que
Pighino tivesse interpretado erroneamente os “ensinamentos” em Bolonha, além
disso, muito tempo havia se passado, e as distorções que pudesse cometer em
torno de termos filosóficos complexos seriam mais que naturais...
Sobre a “ideia de sonho das
almas”, Fileno argumenta na Apologia
ter encontrado referências “nos escritos patrísticos” (os textos dos papas) e
na Escritura, contudo não esclarece onde... Pighino buscou relacionar o fim das
almas ao aniquilamento do mundo... No entanto poderia, como sugere Ginzburg,
levar em conta a carta de São Paulo aos Tessalonicenses em que trata da
“ressurreição final dos que dormiam em Cristo”.
Certamente Pighino leu o Fioretto dela Bibbia, embora garantisse que apesar de possui-lo,
jamais o lera... O Fioretto
esclarecia que todas as coisas que Deus criou do nada “são eternas e durarão
para sempre”... A alma está entre essas “coisas eternas”, bem como os anjos, a
luz, o mundo e o homem... Ainda no Fioretto,
era possível ler que o mundo (e as demais coisas criadas que são visíveis) teve
um começo e terá fim... Anjos e almas estão entre as coisas que têm começo, mas
“não terão jamais fim”. O Fioretto
não aceitava a ideia de “alma imortal” defendida pelos averroístas, que
argumentavam que “todas as almas são uma”, que elas foram feitas por Deus a
partir do orbis (o mais alto de todos
os cinco elementos) e que após a morte dos homens, eles retornam aos seus
elementos. Isso garantiria eternidade ao mundo e imortalidade às almas.
Devemos lembrar que o Fioretto
era assim mesmo... Ideias de pensadores eram citadas, e até detalhadas, para
que a refutação fosse esclarecida... Pighino não fazia nenhuma relação de Deus
com o mundo, como acontecia no caso de Menocchio, mas podemos dizer que os dois
caíram na mesma contradição ao tratarem do tema do paraíso e negando a
imortalidade da alma... Pighino até procurou esclarecer a situação “falando de
um paraíso terrestre, seguido da aniquilação das almas”.
Apesar de os dois moleiros terem vivido em épocas
diferentes e em locais separados por centenas de quilômetros, se envolveram em
processos com várias semelhanças... E não é só isso, pois fizeram argumentações
parecidas ao tratarem das tentações de que foram vítimas; dos livros que leram
servirem de fundamentação às suas ideias; e de não terem discutido com outras
pessoas sobre aqueles assuntos proibidos e “errôneos”.
Ambos disseram, com pequenas variações, que
procuraram resistir às tentações demoníacas, mas assumiram o fato de se
envaidecerem a partir das “visões” que passaram a ter... A noção sobre não
haver nenhuma fé que fosse superior às demais, a invenção de padres e frades em
relação aos sacramentos com a finalidade de lucrarem às custas dos fiéis, e
também a dúvida sobre a existência do céu, inferno, paraíso e purgatório, foram
temas comuns a Menocchio e Pighino... Não há como negar que “respiraram a mesma
cultura”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_17.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto