sexta-feira, 16 de agosto de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – contradições nas afirmações sobre a “mortalidade da alma”; Fileno, Pighino, Menocchio; O “Fioretto” e a refutação das ideias arrevoístas sobre a imortalidade da alma

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_6773.html antes de ler esta postagem:

A convicção de que no Paraíso haveria igualdade era carregada de contradição... Pighino (moleiro de mentalidade camponesa) entendia que “morto o corpo, morre a alma”. Sobre isso foi interrogado e teve de admitir de acreditava que as almas beatas iriam para o Paraíso, mas desapareceriam de acordo com a vontade de Deus... Chegou a afirmar anteriormente que “as almas acabariam um dia desaparecendo do nada (...) por causa das palavras do Senhor que dizem: ‘O céu e a terra passarão, mas minha palavra não passará’”... A conclusão de Pighino era a de que se até o céu um dia teria o seu fim, não poderia ser diferente com as almas.
Na Apologia, Fileno trata do “sono das almas após a morte”, e sobre isso falou nas casas de cavalheiros que frequentou em Bolonha... Ele bem poderia ser o “professor desconhecido” do qual Pighino teria aprendido lições “falsas mas inteligentes”... Só que o moleiro falava sobre a “aniquilação total das almas”, dado que até as almas beatas desapareceriam... Portanto sua formulação era de materialismo mais radical... Os anabatistas vênetos diziam que apenas as “almas danadas” seriam aniquiladas, pois as dos beatos ressuscitariam por ocasião do Juízo Final... É possível que Pighino tivesse interpretado erroneamente os “ensinamentos” em Bolonha, além disso, muito tempo havia se passado, e as distorções que pudesse cometer em torno de termos filosóficos complexos seriam mais que naturais...
Sobre a “ideia de sonho das almas”, Fileno argumenta na Apologia ter encontrado referências “nos escritos patrísticos” (os textos dos papas) e na Escritura, contudo não esclarece onde... Pighino buscou relacionar o fim das almas ao aniquilamento do mundo... No entanto poderia, como sugere Ginzburg, levar em conta a carta de São Paulo aos Tessalonicenses em que trata da “ressurreição final dos que dormiam em Cristo”.
Certamente Pighino leu o Fioretto dela Bibbia, embora garantisse que apesar de possui-lo, jamais o lera... O Fioretto esclarecia que todas as coisas que Deus criou do nada “são eternas e durarão para sempre”... A alma está entre essas “coisas eternas”, bem como os anjos, a luz, o mundo e o homem... Ainda no Fioretto, era possível ler que o mundo (e as demais coisas criadas que são visíveis) teve um começo e terá fim... Anjos e almas estão entre as coisas que têm começo, mas “não terão jamais fim”. O Fioretto não aceitava a ideia de “alma imortal” defendida pelos averroístas, que argumentavam que “todas as almas são uma”, que elas foram feitas por Deus a partir do orbis (o mais alto de todos os cinco elementos) e que após a morte dos homens, eles retornam aos seus elementos. Isso garantiria eternidade ao mundo e imortalidade às almas.
Devemos lembrar que o Fioretto era assim mesmo... Ideias de pensadores eram citadas, e até detalhadas, para que a refutação fosse esclarecida... Pighino não fazia nenhuma relação de Deus com o mundo, como acontecia no caso de Menocchio, mas podemos dizer que os dois caíram na mesma contradição ao tratarem do tema do paraíso e negando a imortalidade da alma... Pighino até procurou esclarecer a situação “falando de um paraíso terrestre, seguido da aniquilação das almas”.
Apesar de os dois moleiros terem vivido em épocas diferentes e em locais separados por centenas de quilômetros, se envolveram em processos com várias semelhanças... E não é só isso, pois fizeram argumentações parecidas ao tratarem das tentações de que foram vítimas; dos livros que leram servirem de fundamentação às suas ideias; e de não terem discutido com outras pessoas sobre aqueles assuntos proibidos e “errôneos”.
Ambos disseram, com pequenas variações, que procuraram resistir às tentações demoníacas, mas assumiram o fato de se envaidecerem a partir das “visões” que passaram a ter... A noção sobre não haver nenhuma fé que fosse superior às demais, a invenção de padres e frades em relação aos sacramentos com a finalidade de lucrarem às custas dos fiéis, e também a dúvida sobre a existência do céu, inferno, paraíso e purgatório, foram temas comuns a Menocchio e Pighino... Não há como negar que “respiraram a mesma cultura”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_17.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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