Então Fernão Aines confessou ter assassinado o seu parente (e também a esposa deste) para apoderar-se do roteiro... Mas agora sua vida de nada valia... Lamentava-se... Então o seu último desejo era de que o papel fosse entregue à mulher do também falecido Robério Dias, pois ela ainda vivia na Bahia, onde sofria uma difícil condição. Confiou no frei Ângelo e pediu a ele que prometesse realizar o seu último desejo.
O religioso estava ávido por saber onde poderia encontrar o papel... Mas Aines estava por um fio... Conseguiu sussurrar, informando que estava oculto... Não conseguia mais se pronunciar e apenas levantou o braço e apontou para a parede murmurando: “cruz”.
Aines estava prestes a morrer sem que recebesse a absolvição pelos seus pecados... Ao frei Ângelo interessava apenas apossar-se da cruz que conseguiu detectar... Ela era de madeira e colado nela havia um Cristo de ferro... Então o italiano tomou-a em suas mãos, percebeu que era oca, e a quebrou... Do interior da cruz escapou um rolo de pergaminho. Pôde ler a seguinte mensagem:
Roteiro verídico e exato em que se trata da rota que fez Robério Dias, o pai, em o ano da graça de 1587 às paragens de Jacobina, onde descobriu em favor de Deus as mais ricas minas de prataria que existam no mundo; com a suma de todas as indicações de marcos, balizas e linha equinocial onde demoram aquelas ditas minas; começando em 20 de janeiro, dia do mártir São Sebastião, e terminado na primeira dominga de Páscoa em que chegamos com a mercê da Providência nesta cidade de Salvador.
Depois de ler o texto, o religioso (?) atirou-se a um banco e começou a pensar sobre as possibilidades que lhe surgiam a partir daquela descoberta... Riquezas e mulheres vinham-lhe à mente... E assim permaneceu por meia hora... Nem mesmo o estrondo de um trovão o despertou completamente... Enquanto isso, Aines morria.
Ângelo de Luca tirou o hábito religioso, lançou-o ao chão e pisou sobre ele... De posse do manuscrito, vestiu outra roupa que estava na cama, pegou as armas e o chapéu de feltro do homem morto... Tendo percebido a aproximação de Mestre Nunes, voltou a vestir o hábito por cima da roupa de aventureiro. Escondeu o chapéu em sua manga. Então dirigiu-se ao outro para noticiar que Aines estava morto.

Mais adiante, chegou a uma choça onde estavam instaladas várias famílias indígenas. Despertou um deles e explicou que ao amanhecer ele deveria acompanhá-lo a uma expedição... Di Luca passou a noite inteira em claro ali mesmo.
A tempestade que persistiu por toda a noite arrefeceu e, à primeira claridade, já não chovia. Com o índio a acompanhá-lo, rumou por várias direções até que chegou à touça de cardos (onde se passa o episódio de Loredano com os dois capangas)... Escolheu aquele sítio para os seus intentos em relação ao rolo de pergaminho, pois (como sabemos) o acesso ao seu interior era dos mais difíceis, sendo possível apenas a partir da árvore e do cipó. Ele e o índio se deslocaram para o cercado... Mas de lá só saiu um deles, e apenas no dia seguinte às duas horas da tarde... Vestido como aventureiro, o “ex-frei” adotou uma nova personalidade. Resolveu que se chamaria Loredano. No meio do cercado deixou o rolo de pergaminho enterrado e, além dele, um burel (um tecido de lã, o hábito religioso) de frade e o cadáver do índio.
Depois de cinco meses, o vigário da Ordem dos Carmelitas escreveu para Roma comunicando que o frei Ângelo di Luca havia morrido como “santo e mártir no zelo de sua fé apostólica”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-guarani-de-jose-de-alencar-o-descanso.html
Leia: O guarani. Editora Ática
Um abraço,
Prof.Gilberto