segunda-feira, 5 de agosto de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – Menocchio procura não escandalizar demais em suas respostas; revelações sobrenaturais? fragmentos do “diálogo apócrifo entre o rabino Abdallah ibn Salan e Maomé”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html antes de ler esta postagem:

O entendimento entre Menocchio e as autoridades era praticamente impossível... Talvez o principal ponto de discordância fosse a ideia de um Deus criador... Podemos pensar que, se os inquisidores fossem capazes de convencer o moleiro através de argumentos, ele até poderia recuar em relação às suas convicções. Mas isso não ocorria... Ao contrário, Menocchio procurava se antecipar cada vez mais no interrogatório e apresentava as suas ideias: “Façam o favor de me escutar, senhores...” Ressaltava a tolerância divina e mais uma vez citava a “lenda dos três anéis”... Queria convencer (?) de que Deus não faz distinção entre as fés (Ele deu o Espírito Santo a todos)... Assim, asseverou (novamente) que cada um leva em consideração a religião na qual se formou, mas neste último processo procurou não chocar as autoridades com suas ideias de que os ritos eram meras mercadorias (deixava a problemática das heresias para um segundo plano)... Se é cristão “por acaso”... Sabemos que os vínculos dele próprio com o catolicismo eram apenas exteriores (participava das missas, confessava, comungava...), internamente os seus juízos em torno dos conceitos religiosos eram construídos e processados de modo autônomo em relação aos ensinamentos da Igreja.
Respondeu ao inquisidor que achava “que era um filósofo, astrólogo e profeta”... Os profetas também erram, esclareceu... Por algum motivo (provavelmente por influência do “espírito mau”) acreditou que fosse um profeta, acreditou mesmo que tivesse chegado a saber sobre “a natureza dos céus e outras coisas semelhantes”. No processo antigo, Menocchio não fez alusão a “revelações sobrenaturais” ou sonhos reveladores para explicar seus devaneios. Mas no último foi diferente...
Pode ser que a leitura do Alcorão o tenha levado a crer que passara a conhecer a “natureza dos céus” (é citado o primeiro capítulo da tradução italiana, onde aparece o “diálogo apócrifo entre o rabino Abdallah ibn Salan e Maomé”)...
O seguinte fragmento do diálogo é citado:

Ele disse, continue e me diga por que o céu se chama céu. Ele respondeu, porque ele é criado pela fumaça, fumaça do vapor do mar. Ele disse, de onde vem o verde? Ele respondeu, do monte Caf e o monte Caf o recebeu das esmeraldas do paraíso; e este monte cinge o círculo da terra, sustenta o céu. Perguntou, o céu tem porta? Respondeu, tem portas suspensas. Perguntou, e as portas têm chaves? Respondeu, têm as chaves que são os tesouros de Deus. Perguntou, do que são feitas as portas? Respondeu, de ouro. Perguntou, você fala a verdade, mas me diga: o nosso céu como foi criado? Respondeu, o primeiro da água verde, o segundo da água clara, o terceiro de esmeraldas, o quarto de ouro puríssimo, o quinto de jacintos, o sexto de uma reluzente nuvem, o sétimo do esplendor do fogo. Disse, sobre isso você fala a verdade. Mas, acima desses sete céus, o que é que existe? Respondeu, um mar vivaz e sobre ele um mar nebuloso, e assim, seguindo a ordem, um mar aéreo, sobre ele o mar penoso, sobre ele o mar tenebroso, e sobre ele o mar de divertimento, e sobre ele a Lua, sobre ela o Sol e sobre ele o nome de Deus, e sobre ele a suplicação... (e assim sucessivamente)

Mas é o próprio Ginzburg quem ressalta que o “livro lindíssimo” referido por Menocchio talvez nem tenha sido o Alcorão... Além disso, é impossível “reconstruir” uma leitura que ele tenha realizado.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_6.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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