Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
antes de ler esta postagem:
O entendimento entre
Menocchio e as autoridades era praticamente impossível... Talvez o principal ponto
de discordância fosse a ideia de um Deus criador... Podemos pensar que, se os
inquisidores fossem capazes de convencer o moleiro através de argumentos, ele até
poderia recuar em relação às suas convicções. Mas isso não ocorria... Ao contrário, Menocchio
procurava se antecipar cada vez mais no interrogatório e apresentava as suas
ideias: “Façam o favor de me escutar, senhores...” Ressaltava a tolerância divina
e mais uma vez citava a “lenda dos três anéis”... Queria convencer (?) de que
Deus não faz distinção entre as fés (Ele deu o Espírito Santo a todos)...
Assim, asseverou (novamente) que cada um leva em
consideração a religião na qual se formou, mas neste último processo procurou
não chocar as autoridades com suas ideias de que os ritos eram meras
mercadorias (deixava a problemática das heresias para um segundo plano)... Se é
cristão “por acaso”... Sabemos que os vínculos dele próprio com o catolicismo
eram apenas exteriores (participava das missas, confessava, comungava...),
internamente os seus juízos em torno dos conceitos religiosos eram construídos
e processados de modo autônomo em relação aos ensinamentos da Igreja.
Respondeu ao inquisidor que achava “que era um filósofo, astrólogo e
profeta”... Os profetas também erram, esclareceu... Por algum motivo
(provavelmente por influência do “espírito mau”) acreditou que fosse um
profeta, acreditou mesmo que tivesse chegado a saber sobre “a natureza dos céus
e outras coisas semelhantes”. No processo antigo, Menocchio não fez alusão a “revelações
sobrenaturais” ou sonhos reveladores para explicar seus devaneios. Mas no
último foi diferente...
Pode ser que a leitura do Alcorão o tenha levado a crer que passara a
conhecer a “natureza dos céus” (é citado o primeiro capítulo da tradução
italiana, onde aparece o “diálogo apócrifo entre o rabino Abdallah ibn Salan e
Maomé”)...
O seguinte fragmento do diálogo é citado:
Ele disse, continue e
me diga por que o céu se chama céu. Ele respondeu, porque ele é criado pela
fumaça, fumaça do vapor do mar. Ele disse, de onde vem o verde? Ele respondeu,
do monte Caf e o monte Caf o recebeu das esmeraldas do paraíso; e este monte
cinge o círculo da terra, sustenta o céu. Perguntou, o céu tem porta?
Respondeu, tem portas suspensas. Perguntou, e as portas têm chaves? Respondeu,
têm as chaves que são os tesouros de Deus. Perguntou, do que são feitas as
portas? Respondeu, de ouro. Perguntou, você fala a verdade, mas me diga: o
nosso céu como foi criado? Respondeu, o primeiro da água verde, o segundo da
água clara, o terceiro de esmeraldas, o quarto de ouro puríssimo, o quinto de
jacintos, o sexto de uma reluzente nuvem, o sétimo do esplendor do fogo. Disse,
sobre isso você fala a verdade. Mas, acima desses sete céus, o que é que existe?
Respondeu, um mar vivaz e sobre ele um mar nebuloso, e assim, seguindo a ordem,
um mar aéreo, sobre ele o mar penoso, sobre ele o mar tenebroso, e sobre ele o
mar de divertimento, e sobre ele a Lua, sobre ela o Sol e sobre ele o nome de
Deus, e sobre ele a suplicação... (e assim sucessivamente)
Mas é o próprio Ginzburg quem ressalta que o “livro
lindíssimo” referido por Menocchio talvez nem tenha sido o Alcorão... Além
disso, é impossível “reconstruir” uma leitura que ele tenha realizado.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_6.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto