O entendimento entre Menocchio e as autoridades era praticamente impossível... Talvez o principal ponto de discordância fosse a ideia de um Deus criador... Podemos pensar que, se os inquisidores fossem capazes de convencer o moleiro através de argumentos, ele até poderia recuar em relação às suas convicções. Mas isso não ocorria... Ao contrário, Menocchio procurava se antecipar cada vez mais no interrogatório e apresentava as suas ideias: “Façam o favor de me escutar, senhores...” Ressaltava a tolerância divina e mais uma vez citava a “lenda dos três anéis”... Queria convencer (?) de que Deus não faz distinção entre as fés (Ele deu o Espírito Santo a todos)... Assim, asseverou (novamente) que cada um leva em consideração a religião na qual se formou, mas neste último processo procurou não chocar as autoridades com suas ideias de que os ritos eram meras mercadorias (deixava a problemática das heresias para um segundo plano)... Se é cristão “por acaso”... Sabemos que os vínculos dele próprio com o catolicismo eram apenas exteriores (participava das missas, confessava, comungava...), internamente os seus juízos em torno dos conceitos religiosos eram construídos e processados de modo autônomo em relação aos ensinamentos da Igreja.
Respondeu ao inquisidor que achava “que era um filósofo, astrólogo e profeta”... Os profetas também erram, esclareceu... Por algum motivo (provavelmente por influência do “espírito mau”) acreditou que fosse um profeta, acreditou mesmo que tivesse chegado a saber sobre “a natureza dos céus e outras coisas semelhantes”. No processo antigo, Menocchio não fez alusão a “revelações sobrenaturais” ou sonhos reveladores para explicar seus devaneios. Mas no último foi diferente...
Pode ser que a leitura do Alcorão o tenha levado a crer que passara a conhecer a “natureza dos céus” (é citado o primeiro capítulo da tradução italiana, onde aparece o “diálogo apócrifo entre o rabino Abdallah ibn Salan e Maomé”)...
O seguinte fragmento do diálogo é citado:

Mas é o próprio Ginzburg quem ressalta que o “livro lindíssimo” referido por Menocchio talvez nem tenha sido o Alcorão... Além disso, é impossível “reconstruir” uma leitura que ele tenha realizado.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_6.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto