quinta-feira, 15 de agosto de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – mais sobre a personalidade de Pighino, sua coragem e opiniões religiosas; leituras de Pighino; ambientes e tempos diferentes, mas várias semelhanças em relação ao caso Menocchio; moleiros e sua má fama entre os camponeses; trecho de “Fui até o inferno e vi o Anticristo”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/08/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_14.html antes de ler esta postagem:

As pessoas em Savignano sul Panaro tinham Pighino como a um “mau cristão”, “herético”, “excêntrico e fraco da cabeça”... E até um “bobalhão”.
É, mas O Queijo e os Vermes esclarece que este moleiro era dotado de inteligência sutil... Tratava-se de um tipo astuto, que se dispunha a debater com as autoridades... É claro que as pessoas simples de sua aldeia, além do pároco local, não podiam entender suas afirmações contrárias à importância dos santos, jejuns, confissão... Suas posições eram bem próximas das dos luteranos... E ele era ainda mais radical ao afirmar que todos os sacramentos (excluía apenas o batismo) eram criações da Igreja Católica, e que Cristo nada tinha a ver com eles... Pighino garantia que mesmo sem a eucaristia o cristão poderia alcançar a salvação... E isso valeria para “grandes” e “pequenos”, pois no paraíso “seremos todos iguais”.
Então as opiniões de Pighino chocavam seus concidadãos... Ele tinha coragem de dizer que inferno e purgatório não existiam, pois se tratavam de invenções dos padres para que pudessem ganhar dinheiro explorando a fé das pessoas... Ele dizia também que a Virgem Maria nada tinha de especial, pois ela “nascera de uma serva”; que Cristo não devia ter sido homem de bem porque foi crucificado; que após a morte da pessoa sua alma também definhava; e que qualquer fé (religião) podia ser considerada boa, pois isso dependia da sinceridade dos fiéis.
Pighino passou por várias sessões de tortura... Resistiu bravamente e negou a participação de cúmplices que compartilhassem aqueles pensamentos. Garantiu que a leitura dos Evangelhos em língua vulgar o iluminara. Aliás, além dos Evangelhos em língua vulgar, ele também havia lido “o Saltério, a gramática de Donato e o Fioretto della Bibbia”... Após o seu julgamento, foi condenado a jamais se retirar de Savignano, mas fugiu de lá porque sofria preconceito e hostilidades diversas... Porém decidiu apresentar-se ao Santo Ofício em Ferrara para pedir perdão. Então as autoridades concederam-lhe uma muito boa oportunidade “arrumando-lhe um cargo de criado do bispo de Modena”.
(...)
Menocchio e Pighino, dois moleiros...
O texto destaca que a profissão de moleiro era comum e muito requisitada na Europa pré-industrial... As diversas pequenas localidades demandavam moinhos (de água ou de vento)... Não se deve estranhar a “presença maciça de moleiros nas seitas heréticas da Idade Média”... No século XVI, Andrea de Bergamo, poeta satírico, disse que “um verdadeiro moleiro é meio luterano”... Para os camponeses, o moleiro não era alguém em que se podia confiar plenamente, e o relacionavam a um merecedor das “penas do inferno”, dado que o tinham como “esperto, ladrão e enganador”.
O canto popular toscano Fui até o inferno e vi o Anticristo atesta a visão que os camponeses tinham do moleiro... Seu conteúdo é satírico e sua mensagem reveladora da opinião que tinham sobre os moleiros: No inferno, o demônio é avistado segurando um moleiro pela barba ao mesmo tempo em que pisa num alemão e mantém um taverneiro e um magarefe (abatedor de gado; açougueiro) presos... Perguntado a respeito de qual daqueles infelizes seria o mais malvado, o anticristo responde:
(...) Atenta que te mostro.
Vê bem quem é que com as mãos rapina:
o moleiro que mói a alva farinha.
Vê bem quem é que com as mãos agarra:
ó moleiro que mói a farinha alva.
Da quarta parte salta a alqueire inteiro:
o mais ladrão de todos é o moleiro.

Mais sobre moinhos e moleiros na próxima postagem.
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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