Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/01/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo_20.html antes
de ler esta postagem:
Barata quis saber se o companheiro havia sofrido
muito enquanto esteve na prisão... O velho explicou que o primeiro dos seis
anos foi muito difícil, mas conforme o tempo passou conseguiu se resignar e
aprender que há certos acontecimentos inevitáveis na nossa vida, e que eles se
sucedem. Filosofou dizendo que é mais ou menos como os ciclos da natureza, não
podemos evitar a ventania ou as tempestades. As “desgraças pessoais” também são
inevitáveis.
O velho disse ainda que, assim que deixou a prisão, visitou Maria
diversas vezes no hospício. Certo dia notaram que ela havia fugido... Há quem
diga que ela “anda pelas ruas a divertir os moleques”. Nunca mais a vira, Barata
emendou que certamente devia estar velha. E em tom de conclusão, arrematou que
a vida do companheiro era muito triste. O outro respondeu que sua vida era “apenas
vida”. Não há aquela que seja triste ou alegre, já que todos nascemos e
morremos, e aí estão o princípio e o fim de todos, somos iguais.
Barata observou que “viver”
não se resume a “nascer e morrer”... O velho concordou e acrescentou que “viver
é raciocinar”, e este é o bem supremo, pois quem pratica o exercício de
raciocinar não sofre. O raciocínio nos leva a conhecer o fim de tudo... Como as
pessoas não se importam com o raciocínio, a sociedade sofre.
Ele teve de explicar essas últimas considerações e
disse que “a sociedade admitiu os vícios e as virtudes”... Nem um nem outro faz
parte da vida. Há uma série de sensações e atitudes que não passam de fantasias
(citou amor, ódio, saudade, egoísmo, honra caráter, caridade) que só dificultam
a vida. Na verdade viver é simples e consiste em “respirar, comer, beber e
dormir”... A natureza nos oferece tudo!
Barata acabou concordando e disse que ainda não havia pensado a respeito.
O velho o advertiu dizendo que ele “pensava que pensava”... Barata aceitou que “complicaram
a vida sem a menor necessidade” e o companheiro adiantou que era exatamente por
isso que abandonara a “vida complicada pelos outros”. Dessa maneira, seguia
vivendo à margem e tornara-se “espectador do sofrimento humano”. Enquanto isso
os demais engajados na sociedade seguiam lutando para se livrarem dos erros que
vivem repetindo. Era preferível “contentar-se com os restos que caem das mesas
fartas”.
(...)
Essa conversa foi interrompida pela chegada de uma
linda e elegante mulher... Barata se dirigiu a ela pedindo uma esmola de acordo
com o que vinha aprendendo com o velho... Assim que recebeu o donativo, agradeceu
com um “Nossa Senhora lhe acompanhe”. A mulher respondeu com um “Amém” e doou
mais um níquel.
Ela se movimentava como quem está à procura de alguém... Não foi por
acaso que o velho se escondeu sob o chapéu. Assim que ela se afastou, perguntou
ao Barata se ele tinha ideia de quem era aquela... Este respondeu que devia ser
bem rica pois havia lhe dado dois mil réis.
O velho confessou que aquela mulher vivia com ele. Barata se espantou e
perguntou se ela sabia que ele era um mendigo... O velho respondeu que ela o
imaginava um rico capitalista. Dessa forma não perguntaria qual é a sua profissão.
Por que não? O ingênuo Barata
perguntou... Porque é feio, o velho e rico mendigo respondeu.
O primeiro ato da peça
termina neste ponto.
(...)
Cabe destacarmos alguns detalhes...
* Logo notamos que o
desenrolar do diálogo entre o velho mendigo e Barata acontece numa só noite.
* Como vimos, no filme temos a ida de Yuca (Juca) ao
escritório do empresário para exigir seu projeto de volta. Após um entrevero, o
tipo aciona um alarme que atrai seguranças armados. Logo o operário é capturado
em flagrante como se estivesse saqueando o cofre. Daí o motivo de sua prisão.
* Como sabemos, no filme, Maria, a mulher do Yuca ficou transtornada com
o golpe do patrão e acabou se enforcando no quarto da própria casa. O
desfecho da personagem é bem diferente na peça.
* Obviamente
a que chega à porta da igreja no final do primeiro ato é Nancy. O filme constrói
essa personagem com riqueza de detalhes que não são citados na peça. Em “Dios
se lo pague” a vemos vaidosa, em dívida com o hotel e se arriscando na jogatina
e encontros temerários, como foi o caso com Péricles...
* Na peça não há qualquer menção ao encontro dos
protagonistas no teatro (apresentação de Lohengrin, de Wagner).
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo-o.html
Leia: “Deus
lhe pague”. Ediouro.
Um
abraço,
Prof.Gilberto