Os debates políticos entre os norte-americanos que decidiam os rumos da nação nos anos 1760-1770 passaram a levar mais em consideração a ideia dos “direitos da humanidade”.
Além de as temáticas aprofundadas por Grotius, Pufendorf e Locke aparecerem com maior frequência nas publicações políticas, as estantes das bibliotecas públicas e privadas recebiam os livros de Burlamaqui em grandes quantidades. Talvez não seja por acaso que em 1774, quando o governo britânico começou a colapsar, os norte-americanos passassem a considerar que estivessem vivenciando situação diretamente relacionada a “estado de natureza” que conheciam das páginas de Burlamaqui:
“A ideia do Direito, e ainda mais a da lei natural, estão manifestadamente relacionadas com a natureza do homem. É portanto dessa própria natureza do homem, da sua constituição e da sua condição que devemos deduzir os princípio dessa ciência”.
O jurista suíço referia-se à “natureza do homem em geral”... Burlamaqui morreu em 1748 e, portanto, não tratou da condição dos colonos norte-americanos ou de suas inquietações em relação à Constituição inglesa. Sua temática se relacionava à “constituição e condição da humanidade universal”. Mas era exatamente a ideia universalista que permitia aos colonos imaginarem sua emancipação em relação à tradição e poder britânicos.
Ocorreram várias convenções estaduais antes da Declaração de 4/julho de 1776. Os colonos se articulavam regionalmente e projetavam substituir a autoridade britânica de governo por suas assembleias. Os delegados eleitos recebiam instruções para rascunhar Constituições que na prática indicavam a firme intenção de emancipação política. Essas “Constituições estaduais” normalmente “incluíam declarações de direitos”.
(...)
A
título de exemplo, Lynn Hunt cita a Declaração de Direitos da Virgínia (12/6 de
1776) que já anunciava: “todos os homens são por natureza igualmente livres e
independentes e têm certos direitos inerentes”. E esses direitos se definiam pela
“fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir
propriedades e de buscar e obter felicidade e segurança”.
Essa mesma
Constituição apontava vários outros direitos mais específicos (liberdade de
imprensa; de opinião religiosa). O documento serviu de modelo para a Declaração
de Independência e para a “Bill of Rights da Constituição dos Estados Unidos”.
De acordo com a
autora, “os acontecimentos de 1774-6 fundiram temporariamente os pensamentos
particularista e universalista sobre os direitos nas colônias insurgentes”.
Quer dizer que eventualmente reagiam contra o governo britânico fazendo
referências aos direitos que possuíam enquanto “súditos britânicos” e ao mesmo
tempo reivindicavam o “direito universal” ao escancararem que apenas um governo
legítimo poderia assegurar-lhes “seus direitos inalienáveis como homens iguais”.
Obviamente o “direito universal” anulava a expectativa particularista,
pois atendia as demandas dos colonos em direção à independência política... A
partir do embasamento teórico que haviam adquirido, sentiam-se comprometidos
com a declaração dos direitos “como parte da transição de um estado de natureza
de volta a um governo civil”... Ou ainda, deixariam a condição de submissão ao
rei Jorge III para assumir a “nova política republicana”.
(...)
A resistência dos colonos à autoridade imperial levou-os a defender os
direitos universalistas. Foi o momento revolucionário que criou as condições
para que os direitos fossem declarados.
Lynn
Hunt destaca que nem todos os atores concordavam sobre a necessidade de
declararem os direitos ou sobre seus conteúdos fazerem parte da Declaração, mas
lembra que “a independência abriu a porta para a declaração dos direitos”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_29.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto