sábado, 23 de maio de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – as duas versões da linguagem dos direitos entre os norte-americanos durante os transtornos da Lei do Selo e na Declaração de 1776; o universalismo na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; duque de Montmorency e a ideia de uma declaração universal; direitos universais em Hugo Grotius; Samuel Pufendorf, Jean-Jacques Burlamaqui e outros adeptos das ideias de Grotius

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_21.html antes de ler esta postagem:

Na sequência, Lynn Hunt dá exemplos de usos das “versões da linguagem de direitos” pelos norte-americanos durante o século XVIII. Como salientou-se anteriormente, uma delas dizia respeito aos direitos de um povo e suas tradições em particular (versão particular; tradição nacional). A outra versão era universalista e dizia respeito aos “direitos do homem em geral”.
Durante a década de 1760 ocorreu a “crise da Lei do Selo”. Naquela ocasião, os ativistas norte-americanos distribuíam artigos em panfletos nos quais reivindicavam a atenção aos direitos dos colonos enquanto súditos do império inglês... Já ao tempo da Declaração de Independência, invocavam os “direitos universais de todos os homens”. Depois aprovaram a Constituição de 1787 e a Bill of Rights de 1791, que firmaram as características de uma tradição mais particularista.
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No caso dos franceses, vemos que a redação da Declaração de 1789 adota a “versão universalista” de imediato.
De tudo o que se expôs até aqui sobre este documento, devemos salientar que o caráter universalista anulava qualquer hipótese particularista que a monarquia reivindicasse.
Durante as discussões da assembleia francesa, Mathieu Jean Félicité, o duque de Montmorency, conclamava aos demais representantes a seguirem o exemplo dos norte-americanos afirmando que “eles deram um grande exemplo no novo hemisfério”, cabia a eles “dar um exemplo para o universo”.
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Na verdade, norte-americanos e franceses foram antecedidos por teóricos do universalismo dos direitos. Pensadores holandeses, alemães e suíços tomaram essa iniciativa ainda no século XVII. Esse foi o caso de Hugo Grotius, jurista holandês que em 1625 já apresentava proposta de “uma noção de direitos que se aplicava a toda humanidade” em vez de focar determinado país ou tradição judicial. O calvinista explicava que “direitos naturais” são autocontrolados e concebíveis independentemente da “vontade de Deus”. Para ele, os integrantes da sociedade poderiam fazer uso dos direitos sem interferência ou ajuda da religião e definir “os fundamentos contratuais da vida em sociedade”.
Seguidor das ideias de Grotius, o jurista alemão Samuel Pufendorf escreveu uma “história geral dos ensinamentos do direito natural” na qual expôs alguns princípios problematizados pelo mestre holandês. Apesar de não concordar inteiramente com este, Pufendorf contribuiu para o seu reconhecimento e o tornou “fonte primordial da corrente universalista do pensamento dos direitos”.
Na Suíça, o professor e jurista Jean-Jacques Burlamaqui foi um dos mais influentes pensadores a respeito do “direito natural”. Em 1747 escreveu “Princípios do Direto Natural”, obra em que, assim como as demais que já circulavam em seu meio, trazia “pouco conteúdo político ou legal específico para a noção dos direitos naturais universais”. Burlamaqui pretendia procurava provar a existência dos direitos naturais e que eles se originavam “da razão e da natureza humana”. Problematizou a noção de “senso moral interior” tão cara aos pensadores escoceses (referidos pela autora no início do livro) e com isso “atualizou” a ideia de “direitos naturais universais”.
Os registros de Burlamaqui foram traduzidos para o inglês e o holandês e durante a segunda metade do século XVIII tornaram-se referência quando se tratava de “lei natural”. Rousseau, por exemplo, o tomou como referência quando iniciou suas reflexões acerca da organização da sociedade e o Contrato. Não há exagero em se afirmar que a obra de Jean-Jacques Burlamaqui contribuiu para a renovação das teorias sobre lei e direitos naturais na Europa Ocidental e nas colônias inglesas na América do Norte.
O advogado suíço e historiador do Direito, Jean Barbeyrac foi um dos tradutores dos textos de Burlamaqui para o francês... Este protestante publicou ainda uma tradução em francês do principal texto de Grotius em 1746. O historiador francês Jean Lévesque de Burigny redigiu uma biografia de Grotius em 1752, dois anos depois seu texto foi traduzido para a língua inglesa. Lynn Hunt acrescenta que o professor inglês Thomas Rutherforth proferiu conferências sobre Grotius e suas ideias na Universidade de Cambridge, e publicou-as em 1754.
Tanto as ideias de Grotius, como as de Pufendorf e Burlamaqui, tornaram-se conhecidas dos revoltosos norte-americanos estudiosos do Direito.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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