Na sequência, Lynn Hunt dá exemplos de usos das “versões da linguagem de direitos” pelos norte-americanos durante o século XVIII. Como salientou-se anteriormente, uma delas dizia respeito aos direitos de um povo e suas tradições em particular (versão particular; tradição nacional). A outra versão era universalista e dizia respeito aos “direitos do homem em geral”.
Durante a década de 1760 ocorreu a “crise da Lei do Selo”. Naquela ocasião, os ativistas norte-americanos distribuíam artigos em panfletos nos quais reivindicavam a atenção aos direitos dos colonos enquanto súditos do império inglês... Já ao tempo da Declaração de Independência, invocavam os “direitos universais de todos os homens”. Depois aprovaram a Constituição de 1787 e a Bill of Rights de 1791, que firmaram as características de uma tradição mais particularista.
(...)
No caso dos franceses, vemos que a redação da Declaração de 1789 adota a
“versão universalista” de imediato.
De tudo o que se
expôs até aqui sobre este documento, devemos salientar que o caráter
universalista anulava qualquer hipótese particularista que a monarquia
reivindicasse.
Durante
as discussões da assembleia francesa, Mathieu Jean Félicité, o duque de
Montmorency, conclamava aos demais representantes a seguirem o exemplo dos
norte-americanos afirmando que “eles deram um grande exemplo no novo hemisfério”,
cabia a eles “dar um exemplo para o universo”.
(...)
Na verdade, norte-americanos
e franceses foram antecedidos por teóricos do universalismo dos direitos. Pensadores
holandeses, alemães e suíços tomaram essa iniciativa ainda no século XVII. Esse
foi o caso de Hugo Grotius, jurista holandês que em 1625 já apresentava
proposta de “uma noção de direitos que se aplicava a toda humanidade” em vez de
focar determinado país ou tradição judicial. O calvinista explicava que “direitos
naturais” são autocontrolados e concebíveis independentemente da “vontade de
Deus”. Para ele, os integrantes da sociedade poderiam fazer uso dos direitos
sem interferência ou ajuda da religião e definir “os fundamentos contratuais da
vida em sociedade”.
Seguidor
das ideias de Grotius, o jurista alemão Samuel Pufendorf escreveu uma “história
geral dos ensinamentos do direito natural” na qual expôs alguns princípios problematizados
pelo mestre holandês. Apesar de não concordar inteiramente com este, Pufendorf
contribuiu para o seu reconhecimento e o tornou “fonte primordial da corrente
universalista do pensamento dos direitos”.
Na Suíça, o professor
e jurista Jean-Jacques Burlamaqui foi um dos mais influentes pensadores a
respeito do “direito natural”. Em 1747 escreveu “Princípios do Direto Natural”,
obra em que, assim como as demais que já circulavam em seu meio, trazia “pouco
conteúdo político ou legal específico para a noção dos direitos naturais
universais”. Burlamaqui pretendia procurava provar a existência dos direitos
naturais e que eles se originavam “da razão e da natureza humana”.
Problematizou a noção de “senso moral interior” tão cara aos pensadores
escoceses (referidos pela autora no início do livro) e com isso “atualizou” a
ideia de “direitos naturais universais”.
Os registros de Burlamaqui
foram traduzidos para o inglês e o holandês e durante a segunda metade do século
XVIII tornaram-se referência quando se tratava de “lei natural”. Rousseau, por
exemplo, o tomou como referência quando iniciou suas reflexões acerca da
organização da sociedade e o Contrato. Não há exagero em se afirmar que a obra
de Jean-Jacques Burlamaqui contribuiu para a renovação das teorias sobre lei e
direitos naturais na Europa Ocidental e nas colônias inglesas na América do
Norte.
O advogado suíço e historiador do Direito, Jean Barbeyrac foi um dos
tradutores dos textos de Burlamaqui para o francês... Este protestante publicou
ainda uma tradução em francês do principal texto de Grotius em 1746. O
historiador francês Jean Lévesque de Burigny redigiu uma biografia de Grotius
em 1752, dois anos depois seu texto foi traduzido para a língua inglesa. Lynn
Hunt acrescenta que o professor inglês Thomas Rutherforth proferiu conferências
sobre Grotius e suas ideias na Universidade de Cambridge, e publicou-as em
1754.
Tanto
as ideias de Grotius, como as de Pufendorf e Burlamaqui, tornaram-se conhecidas
dos revoltosos norte-americanos estudiosos do Direito.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_26.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto