O texto faz referência aos dois mais conhecidos pensadores ingleses do século XVII e prossegue nas reflexões acerca das teorias do Direito (a versão particular e a versão universalista).
Obviamente os dois teóricos ingleses são Thomas Hobbes e John Locke, cujos textos eram divulgados na América do Norte e conhecidos dos estudiosos locais. É bem provável que as ideias de Locke tenham sido mais debatidas e divulgadas entre os colonos do que entre os britânicos da metrópole. Por sua vez, os princípios pregados por Hobbes foram bem menos impactantes para os norte-americanos porque ele preconizava “que os direitos naturais tinham de se render a uma autoridade absoluta a fim de impedir a “guerra de todos contra todos”.
(...)
Enquanto Grotius relacionava os direitos naturais “à vida, ao corpo, à
liberdade e à honra”, John Locke os vinculava à “vida, liberdade e propriedade”.
Notamos que Grotius suscitava questões contrárias à escravidão, ao passo que
Locke, por dar ênfase à propriedade, não se opunha à mesma. Ele não só
justificava a escravidão como propôs que todo homem livre de Carolina tivesse “poder
e autoridade absolutos sobre seus escravos”. Segundo Locke, uma lei específica
podia ser elaborada para garantir tal direito.
Apesar
da grande circulação das ideias de Hobbes e Locke entre os ingleses (e por extensão
aos americanos), a primeira metade do século XVIII foi marcada por produções
textuais e discussões em torno dos direitos particulares, mais especificamente
dos “ingleses nascidos livres”.
Durante a década de
1750 o jurista britânico Willian Blackstone refletiu sobre os motivos de os
ingleses se aterem mais aos direitos particulares do que aos universais:
“Estas (liberdades
naturais) eram outrora, quer por herança quer por aquisição, os direitos de
toda a humanidade; mas, estando agora na maioria dos outros países do mundo
mais ou menos degradados e destruídos, pode-se dizer que no presente eles
continuam a ser, de um modo peculiar e enfático, os direitos do povo da
Inglaterra”.
De acordo com
Blackstone, os direitos haviam sido universais. Todavia apenas os seus
conterrâneos ingleses, por serem “superiores” aos demais povos, conseguiam
mantê-los.
(...)
A partir de 1760
nota-se que os que se debruçavam sobre a temática dos direitos começaram a
colocar os “direitos universais” na pauta das discussões e reflexões.
Em 1764, o ativista político e advogado em Boston, James Otis, defendeu
os direitos naturais dos colonos ao cravar que “a natureza colocou todos eles
num estado de igualdade e liberdade perfeita”. Sem exclui-los dos direitos e obrigações
como cidadãos do império britânico:
“Todo
súdito britânico nascido no continente da América, ou em qualquer outro dos
domínios britânicos, está autorizado pela lei de Deus e da Natureza, pela lei
comum e pela lei do Parlamento (...) a usufruir de todos os direitos naturais,
essenciais, inerentes e inseparáveis de nossos colegas súditos na Grã-Bretanha”.
Doze anos separam essas considerações (que
colocavam os norte-americanos em pé de igualdade com os súditos ingleses) das ideias
sobre os “direitos inalienáveis de todos os homens” que impulsionaram a
independência de 1776.
Podemos dizer que as
incompatibilidades entre as colônias e a Inglaterra levaram os norte-americanos
a considerar que apenas as garantias dos “direitos dos ingleses nascidos livres”
eram insuficientes para se estabelecer o país emancipado que passaram a
almejar. Se houvesse uma acomodação em torno desses tais direitos, o máximo que
obteriam seria “uma reforma, e não a independência”.
Fica
evidente que a temática dos direitos universais embasava mais adequadamente a pretensão
de emancipação política. Tanto é assim que as eleições norte-americanas das referidas
décadas tiveram debates marcados por citações mais diretas de Burlamaqui,
Grotius, Pufendorf e Locke.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_45.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto